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 | Klaus Mitteldorf/Divulgação; Divulgação
| Foto: Klaus Mitteldorf/Divulgação; Divulgação

Dois dos artistas que se apresentam neste fim de semana em Curitiba conversaram com o Caderno G sobre política, tema presente direta ou indiretamente em suas obras e discursos. Um é Dinho Ouro Preto, vocalista do Capital Inicial, banda que surgiu no meio universitário de Brasília no momento da redemocratização, nos anos 1980. O outro é Ice Blue, um dos fundadores do emblemático grupo paulistano Racionais MC’s, que marcou o rap nacional com denúncias sociais a partir da periferia e do ponto de vista do movimento negro. O grupo se apresenta hoje em Curitiba. Por caminhos diferentes, ambos declararam ceticismo em relação ao cenário político atual e dizem que não devem apoiar ninguém nestas eleições. Confira trechos da conversa:

Ice Blue

"Hoje a política está totalmente diferente. Muita coisa aconteceu politicamente nos últimos 12 anos. Vários que eram do poder caíram, foram desmascarados, muita coisa aconteceu. As pessoas cobram: você apoiou fulano, falou por tal partido, cantou por tal partido. Mas nós sempre nos colocamos como pessoas de esquerda. Nunca teria sentido fazermos nada com os caras de direita. Ideologicamente não tinha nada a ver. E eles provam até hoje que não tem nada a ver. (...) Hoje temos uma outra periferia. O governo do PT, por mais erros que tenha cometido, olhou para o lado da periferia, do pobre, em algum momento. Não governou só para os ricos. Isso fez diferença. Tirar o monopólio de muitos anos faz diferença. A gente começa a achar que já chegou a hora de o PT sair também para ver se muda alguma outra coisa. Somos ideologicamente contra o monopólio também, que entra em um círculo vicioso, sem mudança nenhuma. (...) Nos posicionamos: não vamos nos envolver [nestas eleições]. Até porque, acreditar em quem? Apostar em quem? Hoje, a análise é essa. É uma das coisas que intrigam também o trabalhador, o cara pensador. Todas as pessoas se encontram nessa mesma situação: acreditar em quem, e fazer o quê?"

Dinho Ouro Preto

"Quando éramos adolescentes, vivemos a redemocratização do Brasil e acreditávamos que, quando nos tornássemos adultos, o Brasil teria saído do sufoco. Mas foram sucessivas decepções. Primeiro, com as próprias diretas, a eleição do Collor. Depois do Impeachment achamos que melhoraria. Após a estabilização da moeda também e, finalmente, com o Lula. Cá estamos nós e acredito que não vou viver para ver um Brasil menos desigual. Isso possivelmente vai ficar para a geração dos meus filhos. Os políticos brasileiros conseguiram transformar a mim, que era um otimista, num cético. (...) Talvez, há alguns anos, houvesse quase um maniqueísmo claro. Quando Lula foi eleito, a situação parecia clara, era quase o bem contra o mal. Agora, passados 15 anos do PT no poder, vemos quem está na coligação – Collor, o Maluf, Calheiros. Fica difícil apoiar. Há uma complexidade maior, é difícil entender as diferenças. É como ver o cenário brasileiro fora de foco. Hoje, nos é colocada uma dicotomia entre PT e PSDB e me vejo constrangido, porque não me sinto representado por nenhum dos dois. Seria capaz de declarar meu voto. Ou de dizer que nenhum candidato me convenceu, e que vou anular novamente. Mas aparecer na tevê, falar nos shows, não."

O que o Racionais MC’s prepararam para esta turnê comemorativa dos 25 anos, que passa por Curitiba neste sábado?

Este é um show que terá 10 ou 12 edições – duas estão a confirmar. Mas esta vai ser a terceira apresentação. O show está tomando um outro formato. Tem músicas novas, velhas, inéditas. Acabamos de sair do estúdio e estamos fazendo um show misto, com as canções que os fãs querem ouvir e as que queremos testar no palco, para sentir o que as pessoas acham das músicas. São músicas que estão em experiência. São músicas que vão entrar no próximo disco?

Na verdade, fizemos disco comemorativo. É um disco que acabamos de mixar em Nova York. Mas é um disco comemorativo. Não o chamemos de disco; estamos nos referindo a ele como um trailer do que vai ser o disco. É apenas um comemorativo, onde reunimos músicas que estavam no estúdio para os 25 anos não passarem batidos. Mas o projeto do disco, mesmo, ainda estamos terminando. Planejamos lançá-lo aproximadamente seis meses após o lançamento do outro, que está previsto para sair em setembro, ou, no máximo, em outubro. O que podem adiantar sobre esse lançamento?

É um disco só de músicas inéditas, que estamos cantando nestes shows dos 25 anos do Racionais, que são diferentes. O que a gente vem falando é que este que está para sair não é "o disco". As pessoas não podem esperar um disco cheio, que não vai vir. Vai vir um comemorativo, com menos tempo. Como surgiu o convite ao Kamau e à Karol Conka para este show?

A gente sempre procura ter referências, artistas locais onde a gente vai cantar. É legal, até para apresentá-los para um público que pode não conhecê-los ainda. E para chancelar pra quem já conhece. Conhece bem o trabalho da Karol?

Conheço e acompanho. E não é a primeira vez que ela participa de um show dos Racionais. Ela participou também no Rio de Janeiro. O trabalho dela é um dos exemplos do quanto o rap se transformou e está bem diferente da imagem que o gênero tinha há alguns anos atrás. Como vocês veem o trabalho da nova geração?

A nova geração não viveu os anos 90 como nós vivemos. É outra época. Vivemos outras coisas. O rap se modernizou, já não é mais o rap dos anos 90 e nem o dos anos 2000. Ele já atingiu outros lugares. Quando nós começamos não tinha YouTube, internet, nada disso. Com a internet, tudo está mais rápido. Era muito mais difícil?

Bem mais difícil. Se apresentar, fazer as músicas chegarem nas pessoas. Quando lançávamos discos, tínhamos que viajar o Brasil para ele ser ouvido. Se quiséssemos que o Rio de Janeiro ouvisse, íamos até o Rio de Janeiro. O mesmo com o Paraná, a Bahia. Hoje, eles põem na rede e chegam nas pessoas que já estão interessadas. Já tem um mercado, um público que procura coisas novas, que quer ouvir coisas novas nesse estilo. Em uma entrevista recente, Mano Brown disse que após o lançamento do último álbum de inéditas de vocês houve um período de crise para o rap. Como foi?

Foi um momento em que vários grupos terminaram, outros não sabiam se continuavam ou não. Foi uma transição para o movimento. Como o Racionais estava parado, nós analisamos de fora, tentando entender quais seriam os próximos passos. Foi uma época em que o rap passou por uma reciclagem natural de um movimento que estava começando também. Isso acontece em todo estilo musical. Uma das coisas que aconteceu é que o estilo passou a ser respeitado, foi aceito. O rap é aceito como estilo musical. Na época em que começamos, ainda não era aceito como estilo musical. Então evoluiu a maneira de as pessoas pensarem, também. Hoje, o rap vive um novo momento. Vocês continuam sendo referências no rap brasileiro. Como é para vocês ocupar esta posição?

Sempre fizemos música pela musica. Nunca quisemos ser referência de nada. Sempre fizemos música. Muitas vezes você faz algum sucesso e as pessoas tiram isso como uma fórmula – ou os caras só fazem cara feia, ou só falam de crime, ou só fazem protesto, ou só andam de preto, raspam o cabelo. Cada um tentou achar uma fórmula do sucesso. Mas muita gente não pensou em música, ou analisou o lado musical, que sempre foi o que o Racionais priorizou. Então, o Racionais chegou onde chegou pelo lado musical, pelas músicas que a gente fez, pelos barreiras que a gente conseguiu ultrapassar. E com músicas de 8 minutos, totalmente fora de padrão para uma indústria, para um mercado fonográfico. Então as pessoas queriam arrumar uma explicação para esse sucesso. Mas as coisas foram muito simples: música. Uma das coisas que se diz sobre o rap nos últimas anos foi que ele se abriu mais para outras referências, outros estilos. É um caminho em que vocês estão também?

Qualquer músico tem que defender essa liberdade musical. Tenho disco só com o Helião. O Eddy Rock acabou de fazer um disco agora. O Mano Brown tem esse projeto dele pela Boogie Naipe. Estamos tentando buscar inovação, acessar outras coisas, mas sempre pensando musicalmente. De certa forma, as pessoas tendem a criar uma prisão para você, em sua ideologia, no que você cantou, apontou como errado, como certo, no que apostou. A nova geração é diferente da minha. É uma geração que terminou o segundo grau, fez faculdade. É uma geração mais informada, muito mais preparada para esse momento do rap. Quando começamos, nós não tínhamos referências além de Jorge Ben [Jor], algumas coisas de samba, ou grupos americanos. Essa geração nova tem Racionais, Sabotage, Consciência Humana, RZO, Thaíde & DJ Hum. Tem muita coisa que fez sucesso e deu certo. É uma geração que ouviu nossas ideias – para os pretos irem estudar, procurarem fazer pela favela, procurarem coisas melhores, se criarem, pararem de se matar. O rap cantou muito isso, que realmente fez efeito na periferia. Então essa nova geração já tem um outro discurso, vive um outro momento. É natural a música ser diferente. Uma das principais temáticas do Racionais MC’s é a periferia, que passou por transformações neste período sem novos álbuns de inéditas do grupo. Isso deve se refletir no próximo disco?

A periferia continua sendo a periferia. Mesmo com mais televisão, mesmo chegando computador, mesmo chegando micro-ondas. Periferia é periferia. Ainda acontecem os mesmos problemas. Uma das hipóteses que se levantou para este hiato do Racionais foi uma maior complexidade no cenário político com o governo do PT, em que seria mais difícil o grupo se posicionar. Isso de fato aconteceu?

Na verdade, sempre acreditamos em algumas pessoas, na ideologia de algumas pessoas. Hoje a política está totalmente diferente. Muita coisa aconteceu politicamente nos últimos 12 anos. Vários que eram do poder caíram, foram desmascarados, muita coisa aconteceu. As pessoas cobram: você apoiou fulano, falou por tal partido, cantou por tal partido. Mas nós sempre nos colocamos como pessoas de esquerda. Não teria nunca sentido fazermos nada com os caras de direita. Ideologicamente não tinha nada a ver. E eles provam até hoje que não tem nada a ver. Vocês avaliam que houve melhoras nestes anos de governo do PT, que vocês vinham apoiando em eleições?

Na periferia sim, sem dúvida. Hoje temos uma outra periferia. O governo do PT, por mais erros que tenha, olhou para o lado da periferia, do pobre, em algum momento. Não governou só para os ricos. Isso fez diferença. A gente tirar do poder um monopólio de muitos anos também faz diferença. E a gente já começa a achar que já chegou a hora de o PT sair também para ver se muda alguma outra coisa. Somos ideologicamente contra o monopólio também, que entra em um círculo vicioso, sem mudança nenhuma. O Racionais MC’s vai se envolver nestas eleições?

Nos posicionamos: não vamos nos envolver. Até porque, acreditar em quem? Apostar em quem? Hoje, a análise é essa. É uma das coisas que intrigam também o trabalhador, o cara pensador. Todas as pessoas hoje se encontram nessa mesma situação: acreditar em quem, e fazer o quê? Como é a relação do Racionais com Curitiba?

Desde o começo, foi um dos primeiros lugares em que a gente foi bem aceito, que foi receptivo com a gente. Curitiba sempre foi receptiva com estilos musicais, qualquer um deles que passou por aí. É lugar a que gostamos de ir. É um publico que nos acolhe, nos abraça. Por isso, está no roteiro dos 25 anos.

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