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Como é esse olhar?

Um olhar mais abrangente. Eu trabalho com cruzamento de leituras e trabalho, basicamente, com jornais. Então como é que eu faço, principalmente nesses livros (As Noites das Grandes Fogueiras e 1930 – Órfãos da Revolução)? Eu tenho como os jornais da época registraram um fato importante, acontecido ou não em praça pública. Se é um fato político – meu interesse é por política –, eu vou nos relatórios da 4.ª Delegacia Auxiliar, que era a repartição policial responsável pela repressão política na República velha. Uma espécie de DOPS (Departamento de Ordem Política e Social, órgão repressivo do regime militar) dos anos 20. Eu vejo qual foi o relatório que a polícia política fez sobre aquele episódio – eles eram extremamente organizados. Depois, mais ainda, eu vou na correspondência pessoal dos principais protagonistas daquele evento. São as cartas. Antigamente, se escrevia muito. É só consultar o arquivo pessoal do Flores da Cunha (jornalista), o próprio Vargas escrevia muito. Então se faz um cruzamento de leituras. Isso, talvez, um historiador jamais fizesse. Porque o jornalista procura a verdade. Ela está de que lado? Está com quem? Qual foi o melhor relato? É assim que a gente faz quando sai à rua para fazer uma matéria. Quem é que pode nos contar melhor o que acabou de acontecer? Eu trabalho com esses relatos: a correspondência pessoal, documentos da polícia política e também a correspondência confidencial e reservada do embaixador americano, Edwin Mor-gan. Aí você tem um espectro muito grande. "Dá trabalho?" É um inferno.

Entre a pesquisa e a escrita, qual é a parte do processo que considera a mais complicada?

É a procura do documento. Saber onde encontrar. Com quem está, se no arquivo do Estado, se no arquivo nacional, se na Biblioteca Nacional, se no arquivo do Itamaraty... Você passa 15, 20 dias a procura de uma informação. Isso, realmente, é desgastante. Já escrever é um trabalho de ourivesaria. A escrita é um exercício de sedução. A leitura tem que ser prazerosa, senão o leitor te abandona.

Na escrita, a prática como jornalista ajudou?

Sim. Aí se entra na discussão: o livro é o quê? É um livro de História. Eu me utilizo de uma técnica romanesca, ferramentas ficcionais para descrever um fato real. Por exemplo, faço a pesquisa de figurino, mobiliário, cultura, hábitos e costumes para descrever um determinado momento. Isso me dá uma trabalheira maluca. É todo um trabalho cenográfico que muda a cada instante. Esse livro (1930) começa com um episódio verdadeiro, o quarto e último ato de Othelo no Teatro Phoenix, do Rio de Janeiro. A ópera foi exibida no dia 1.º de julho de 1927. O presidente foi convidado, mas ele não comparece. Eu escolhi esse recorte por ele ser majestoso, imponente. Mas eu precisava reproduzir isso com detalhes. Então eu fui ao museu dos teatros para ver a planta do Teatro Phoenix, a localização dele, onde seria o camarote do presidente – porque o público, de vez em quando, se voltava para o camarote para ver se sua excelência havia chegado. Ele era aguardado a qualquer momento. Tive que ler sobre teatro, sobre ópera. Fui ao Teatro Nacional para ver o funcionamento das cortinas. Isso tudo, um historiador não faria. Só um repórter.

Não se trata de um romance histórico?

Não. Não tem nada de ficção. Quando eu disse que utilizo técnicas romanescas, é para esse tipo de ambientação, típica de um romance. Tem um momento que eu falo no aparecimento do telefone automático, que não precisava de telefonista. Isso é fantástico. As pessoas não sabiam usar o telefone automático e os jornais saíam com páginas inteiras explicando ao público como usar o telefone. Isso é um mimo. As pessoas tiravam o fone do gancho e ficavam esperando a voz da telefonista. Não tinha mais. Tinha que discar o número. Precisou de uma campanha grande de publicidade e, assim mesmo, não se entendeu bem aquela inovação.

Homem da tevê, jornalista, escritor, pesquisador. Qual função o define melhor?

Eu sou um repórter. Sou jornalista. Não tenho nenhuma pretensão literária. Quero contar uma história que o maior número possível de pessoas tenha interesse em ler e em fazer uma reflexão sobre essas questões.

O jornalista americano Philip Gourevitch, autor de Gostaríamos de Informá-Lo de Que Amanhã Seremos Mortos com Nossas Famílias – Histórias de Ruanda, diz que ouvir as pessoas é mais importante que qualquer tipo de pesquisa. O senhor concorda?

Concordo. Costumo dizer que sou resultado do que aprendi com meus entrevistados. Sempre fui um ouvinte. Sou o que sou graças às pessoas que eu tive o privilégio de entrevistar em um determinado momento da minha vida pessoal. Eu não só as entrevistava como um repórter de passagem, eu também aprendia com elas. Devo muito às pessoas que me deram o prazer ou a paciência de me atender.

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