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Preciosa (Gabourey Sidibe): luta da jovem de 16 anos que vive no Harlem é o mote do filme baseado no livro homônimo da escritora Sapphire | Fotos: Divulgação
Preciosa (Gabourey Sidibe): luta da jovem de 16 anos que vive no Harlem é o mote do filme baseado no livro homônimo da escritora Sapphire| Foto: Fotos: Divulgação

Sinceros, filmes compartilham erros e acertos

Nova York - Preciosa tem sido elogiado por sua honestidade e também acusado por sua descrição extrema e patológica da família negra americana. Escritores americanos da comunidade negra têm tomado partido em ambos os lados dessa discussão e alguns permanecem no meio.

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Preciosa

Saiba mais sobre o filme que foi adotado por gigantes da mídia americana como Oprah Winfrey

Data de estreia: 29 de janeiro

- Produção é baseada no livro homônimo da escritora Sapphire, a sair no Brasil pela editora Record ainda neste mês

- O enredo fala de uma adolescente obesa e analfabeta, grávida do segundo filho (do seu próprio pai, que abusa dela há anos), que é convidada a entrar em uma escola alternativa na esperança de mudar os rumos de sua vida

- Gabourey Sidibe interpreta o papel principal, da Preciosa, mas elenco tem várias participações especiais, como dos cantores Lenny Kravitz e Mariah Carey

O Lado Cego

Drama estrelado por Sandra Bullock dá visão republicana da pobreza nos Estados Unidos

Data de estreia: 26 de março

- Cinebiografia do jogador de futebol americano Michael Oher, baseada no livro de Michael Lewis inédito no Brasil

- Um jovem negro com físico atlético é abandonado por sua família original e adotado por um casal de brancos ricos do sul dos EUA. Ele muda de escola e, com a ajuda dos novos pais, tem chance de engrenar uma carreira como jogador profissional de futebol americano

- O desconhecido Quinton Aaron encarna Michael Oher e Sandra Bullock ganha um dos papéis mais elogiados de sua carreira

  • Em O Lado Cego, Sandra Bullock interpreta uma mulher de família rica e republicana que adota um rapaz negro com problemas sociais

Nova York - Uma adolescente americana ne­­gra, obesa e analfabeta, que sobrevive à pobreza e ao abuso é resgatada de sua condição pela benevolente intervenção de estranhos. Esse é, em essência, o enredo de Preciosa, filme que estreia no Brasil no próximo dia 29. Baseado no romance homônimo da escritora Sapphire, ele tem atraído elogios e criado polêmica.

A mesma descrição poderia ser usada para resumir O Lado Cego, previsto para chegar às salas brasileiras em março e inspirado no livro de não-ficção de Michael Lewis. No enredo, o jovem negro Michael Oher (por vezes chamado de Big Mike) é de muitas maneiras o equivalente masculino de Claireece Jones (na maioria das vezes chamada de "Preciosa"), a jovem de 16 anos do Harlem cuja luta permeia o filme que leva seu nome. Como ela, Michael vem de uma infância maculada por violência e miséria, mas encontra uma ponta de esperança em sua nova escola e num círculo social mais seguro.

Ao mesmo tempo que a analfabeta e emocionalmente perturbada Preciosa descobre um talento para a escrita, Michael também descobre um seu, de modo gentil e tímido, apesar de sua estatura física intimidante, e desenvolve uma aptidão atlética que o conduzirá a uma carreira bem-sucedida como jogador de futebol americano.

De Memphis, onde se passa a história, o verdadeiro Michael Oher saiu para atuar na linha ofensiva do time da Universidade do Mississippi e hoje é jogador do Baltimore Ravens.

Tanto Preciosa quanto O Lado Cego vêm de extremos diferentes do mundo cinematográfico, e suas similaridades são totalmente acidentais. Entretanto é possível – e acredito ser proveitoso – imaginar os dois filmes dialogando entre si, tomando parte de uma discussão racial que o público está sempre disposto a ter, mas que a evita.

Preciosa, dirigido por Lee Daniel, é uma mistura peculiar. Produção independente – angariou o prêmio de escolha do público no Festival de Sundance –, atraiu o patronato de gente como o cineasta Tyler Perry e a apresentadora Oprah Winfrey, gigantes da mídia cujos nomes funcionam como marcas pujantes para atrair o público americano.

Já O Lado Cego, dirigido por John Lee Hancock, é um produto mais comercial: um típico filme hollywoodiano construído em volta do carisma de sua atriz principal, Sandra Bullock, que domina o filme no papel de Leigh Anne Tuohy, a mãe adotiva e anjo da guarda de Michael Oher (Quinton Aaron). A história permite que Bullock encontre uma nova maneira de exibir sua energia indomável – e, às vezes, irritante – que há tempos tem sido sua marca registrada.

Preciosa mistura melodrama com naturalismo de modo impactante e eficiente, desafiando o público a se identificar com sua heroína à medida que ela sofre toda sorte de humilhação. O Lado Cego trata seus personagens e público de maneira mais gentil, deixando os detalhes da infância de Michael vagos e dá mais atenção ao laço que se forma entre ele e a família Tuohy.

Não é apenas a lealdade cultural e política daquela família que faz do filme uma versão republicana de Preciosa. Os Tuohys são a típica família branca e abastada do sul dos Estados Unidos que manda seus filhos para escolas particulares católicas e trata futebol americano universitário como uma segunda religião.

Quando a tutora de Michael, interpretada por Kathy Bates, confessa sua filiação partidária aos Tuohy, o marido de Leigh Anne, Sean (Tim McGraw) indaga: "Quem diria que teríamos um filho negro antes de conhecermos um democrata?".

De fato, quem diria? Ou, nesse caso, pelo menos quando os expectadores ouvem essa fala, quem diria que teríamos um presidente negro (que também é um democrata)?

A descrição honesta que faz dos brancos do sul dos EUA – um grupo que tende a ser descrito com exagerado sentimentalismo ou simplesmente ridicularizado em filmes e na tevê – é um dos surpreendentes atributos do filme. Outro é seu conservadorismo brando. Uma vez que Michael representa um problema social (ou talvez vários deles, incluindo pobreza, drogas e dissolução familiar), a solução oferecida é o apoio individual, a generosidade e a fé.

Algumas das amigas de Leigh Anne especulam se ela está ajudando Michael por sentir uma espécie de "culpa por ser branca", ideia que lhe causa risos, mas que não descarta completamente. Pouco importa seu motivo real, suas ações são bastante radicais.

Após descobrir que Michael, que frequenta a mesma escola dos seus filhos, não têm onde morar, Leigh Anne lhe oferece pouso por uma noite. Eventualmente ela e o marido se tornam os guardiões legais do rapaz e líderes de um grupo – que inclui seus filhos, bem como o treinador, os tutores e professores de Michael – comprometido em ajudar o jovem a obter sucesso.

Encorajamento

Preciosa (Gabourey Sidibe) se beneficia de uma rede de apoio similar. Ela consegue uma vaga em um programa escolar alternativo para garotas problemáticas, e floresce diante das amizades e do paciente encorajamento de sua professora, Rain (Paula Patton). A secretária da escola, interpretada pela comediante e apresentadora Sherri Shepherd, e um amigável enfermeiro (Lenny Kravitz) também ajudam Preciosa, assim como Weiss, uma assistente social interpretada por Mariah Carey. Diferente da caridade privada dos Tuohys, a bondade dos enfermeiros e professores que auxiliam Preciosa é sancionada e sustentada pelo Estado.

Uma diferença notável entre os benfeitores de Preciosa e os de Michael é que os do rapaz são todos brancos.

Ao fim de Preciosa, a heroína aceita seu fardo e parte em direção a uma nova vida, uma conclusão que pode parecer fria – Preciosa é uma mãe adolescente soropositivo que acabou de aprender a ler e a escrever – mas isso satisfaz o público com uma sensação de redenção conquistada a duras penas. Acreditamos que ela ficará bem porque acreditar nisso é melhor do que aceitarmos o fracasso das instituições, programas de recuperação e o desejo coletivo de ajudar ao próximo que deixa tantas outras meninas como Preciosa entregues a sua própria sorte.

Michael Oher, ao término de O Lado Cego, experimenta um fim melhor, mas o filme acaba com um lembrete do que poderia ter acontecido com ele, quando Leigh Anne lê descrições jornalísticas de jovens que são da mesma região que Michael em Memphis mortos pela violência entre gangues. Ela se pergunta por que ele teve mais sorte do que os outros, modestamente se recusando a mencionar seu próprio papel na vida do rapaz e com isso desviando atenção da curiosa moral da história, a de que a maior esperança para uma criança negra e pobre americana é ter pais brancos e ricos.

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