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| Foto: Bruno Lasevicius/ Divulgação

Livro

Os Outubros de Taiguara: Um Artista contra A Ditadura: Música, Censura e Exílio Janes Rocha. Kuarup, 160 págs., R$ 46.

81 canções de Taiguara foram censuradas durante a ditadura militar pelo extinto Departamento de Censura e Divisões Públicas (DCDP), órgão da Polícia Federal.

Projeto relançou álbum vetado

A gravadora Kuarup já havia reeditado, no ano passado, o álbum Imyra, Tayra, Ipy, originalmente lançado em 1976 e recolhido pela ditadura militar pouco depois de chegar às lojas. As canções do disco haviam passado pela censura por meio de uma manobra de Taiguara, que as registrou no nome de Gheisa Gomes, uma de suas ex-esposas. Mas havia um sentido político claro em faixas como "Público", que traz versos como "O meu nome era povo – hoje é multidão/ Meu problema era o campo – hoje é nutrição". O álbum traz participações de Wagner Tiso, Toninho Horta e outras dezenas de músicos empregados nos sofisticados arranjos de Taiguara e Hermeto Pascoal.

CD

Taiguara — Ele Vive Taiguara. Kuarup. R$ 24,90. MPB.

Não é à toa que o nome de Taiguara, cantor de sucesso no fim dos anos 1960 e início dos 1970, autor de músicas gravadas por uma lista extensa e variada de intérpretes que vão de Françoise Hardy a Beth Carvalho, desperte hoje pouco mais que alguma familiaridade para boa parte das pessoas e nem sempre seja relacionado a canções que resistem no imaginário nacional.

O músico, morto em 1996 aos 50 anos, vítima de câncer, nadou muito contra a maré e ainda enfrentou uma das perseguições mais implacáveis desferidas pela ditadura militar (1964-1985) a artistas brasileiros, em uma trajetória que o levou a autoexílios, radicalização ideológica e, por fim, um reconhecimento aquém da singularidade de sua obra.

É com a intenção de jogar luz sobre a vida e obra de Taiguara que a gravadora Kuarup iniciou um projeto que começou a dar frutos já no ano passado, com a reedição em CD do surpreendente Imyra, Tayra, Ipy, e agora lança o livro Os Outubros de Taiguara, da jornalista Janes Rocha, em conjunto com o álbum de inéditas Ele Vive (leia mais abaixo).

Com uma apresentação do jornalista e crítico Tárik de Souza, que faz um amplo perfil musical do artista, a biografia traz depoimentos de nomes como Beth Carvalho, Eduardo Souto Neto, Wagner Tiso e Hermeto Pascoal a respeito da personalidade afetiva e artística de Taiguara – descrito como tão sensível, compassivo e inteligente quanto impositivo em suas visões ideológicas –, e traz uma investigação ilustrada que revela o absurdo a que chegou a atuação da censura durante o regime. Com base no levantamento de documentos do extinto Departamento de Censura e Divisões Públicas (DCDP), Janes chegou a um número de canções censuradas pelo aparelho que não tem paralelos. Foram 81, se contadas as presentes nos discos Let The Children Hear The Music, proibido em sua totalidade, e o já citado Imyra..., que foi confiscado 72 horas depois de chegar às lojas em 1976.

"Taiguara foi muito perseguido pela censura e acabou ficando muito tempo ‘fora do ar’, o que prejudicou sua carreira. Ele acabou caindo no esquecimento quando era um grande artista, tinha um trabalho diferenciado, de música brasileira com toques latino-americanos", diz Janes, em entrevista à Gazeta do Povo.

Para a jornalista, a trajetória de Taiguara rumo a um relativo esquecimento também pode ser explicada pelo distanciamento que o próprio artista gerou ao cultivar um discurso ácido e direto, e pela falta de entendimento do público, que continuou a relacioná-lo à sua fase romântica quando o cantor já mergulhava em outros experimentos. "É uma figura que merece ser lembrada, não só pela qualidade do trabalho, mas porque estamos lembrando os 50 anos do golpe militar enquanto tem gente na rua sugerindo a volta disso. É importante a mensagem do quanto isso é prejudicial. Esta história mostra o quando a censura mutilou e prejudicou um grande músico e um grande artista", diz.

Ele Vive ganhou bases gravadas sobre fitas caseiras recuperadas

Entre o material disponibilizado pela família de Taiguara para o projeto de resgate da obra do músico estava um baú que incluía dezenas de horas de gravações caseiras em fitas cassete que guardam ao menos 30 canções completas e inéditas. Onze delas, compostas em períodos distintos e em datas desconhecidas, foram selecionadas para passar por um meticuloso processo de recuperação e reconstrução. O resultado é o álbum de inéditas Ele Vive.

Sob direção do produtor Pedro Baldanza, as gravações, que traziam apenas voz e piano de Taiguara em canções que passeiam tanto pelo estilo romântico quanto pela temática política que marcou sua carreira, ganharam arranjos com teclados, programações, baixo, violão, percussão, cavaquinho e vocais.

Conforme conta Bal­­danza, a ideia foi criar um acompanhamento quase transparente, que colocasse as ideias musicais de Taiguara e seu piano em primeiro plano. Mesmo em faixas com uma roupagem mais assertiva, como no tango "Sexo Escravo", o pulso é criado a partir das gravações originais.

"Procurei ser o mais simples possível para que as pessoas compreendessem a criação dele, a voz, o momento íntimo dele fazendo a canção", explica o produtor, que diz ter se surpreendido com a sofisticação musical de Taiguara. "Ele propunha alternativas harmônicas, muito interessantes, por sinal, e que não foram tão difundidas", analisa.

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