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"Eles não seriam heróis se fossem infalíveis, na verdade não seriam heróis se não fossem uns miseráveis cães sarnentos, os párias da terra, e mais, a única razão para se construir um ídolo é jogá-lo por terra, como qualquer outra coisa". No trecho do texto "Vamos Agora Louvar os Duendes da Morte", publicado na revista norte-americana Creem, em março de 1975, o lendário crítico musical Lester Bangs (1948-1982) se referia especificamente ao roqueiro Lou Reed, mas suas palavras acabaram servindo para ilustrar seu próprio exemplo.

Definido por muitos como uma mistura perfeita entre Hunter S. Thompson, Charles Bukowski e Jack Kerouac, o californiano Lester Bangs entrou para a história do rock-n-roll e do jornalismo cultural ao destilar nas páginas de revistas como Rolling Stones, Creem e do jornal Village Voice, durante a década de 1970, os excessos do gênero, de forma até então inédita. Enquanto a maioria maciça dos críticos musicais preocupava-se em idealizar o estilo de vida roqueiro e manter velhos medalhões inatacados, Lester realmente viveu e experimentou o rock-n-roll e assim, como os próprios artistas sobre os quais escrevia, tornou-se o ídolo de gerações de aspirantes a uma profissão tão glamourizada quanto a de rockstar: a de crítico musical.

Eis que, com um "pequeno" atraso de aproximadamente 26 anos – Lester Bangs morreu em 30 de abril de 1982, em decorrência de uma overdose de medicamentos – o mercado editorial brasileiro finalmente recebe a primeira tradução de alguns dos textos do polêmico crítico. Trata-se do pocket-book "Reações Psicóticas" (Tradução de Eduardo Simantob. Conrad, 136 págs., R$ 22), coletânea de escritos de Lester Bangs, publicados entre 1972 e 1977. A tradução é, na verdade, uma seleção do original gringo "Psychotic Reactions and Carburetor Dung", lançado em 1988, com 416 páginas e o subtítulo "A Obra do Lendário Crítico: o Rock-n-Roll como Literatura e a Literatura como Rock-n-Roll". A publicação nacional faz parte da recém-criada coleção "Iê iê iê", da editora paulistana, que ainda este mês traz às prateleiras o livro "A Última Transmissão", do historiador, crítico e jornalista norte-americano Greil Marcus, além de um título do também norte-americano Nick Tosches.

Espírito roqueiro

A trajetória de Lester Bangs teve um início um tanto inusitado. Quando tinha apenas 20 anos, Lester, que já era fã incondicional de rock, soube da existência de uma caixa na redação da revista Rolling Stone, com os seguintes dizeres: "Você escreve, desenha ou fotografa? Mande-nos suas coisas!". Imediatamente Lester passou a entupir a pequena caixa com resenhas de discos tipo, "Anthem of the Sun", do Grateful Dead e "Sailor", de Steve Miller – que, por sinal, classificou como verdadeiros pedaços de bosta – e "White Light/White Heat", do Velvet Underground e "The Marble Index", da cantora Nico – definidos por ele como grandes obras-primas. Porém, seu estilo verborrágico e sua sutileza de elefante, não agradaram muito aos conservadores editores da revista, que só publicaram o primeiro texto de Lester – uma resenha do álbum "Kick Out the Jams", do MC5 – algum tempo depois, sob a ameaça do indignado rapaz, que entregou o seguinte bilhete junto ao texto: "Olhem aqui seus merdas, sou tão bom quanto qualquer escritor que vocês têm aí. Acho bom vocês publicarem isso ou então me darem uma boa razão para não fazê-lo".

De 1969 a 1973, Lester Bangs trabalhou como freelancer na Rolling Stone, onde recebia a bagatela de US$ 12 por cada resenha. Antes de ser demitido pelo editor Jann Wenner, por ser "desrespeitoso com os músicos", Lester já estava contribuindo com a revista Creem, desde 1971, onde permaneceu até 1976.

Seu método básico de lidar com os rockstars, segundo ele, era fazer, logo de cara, a pergunta mais ofensiva que podia formular. A prática fica clara no texto citado no primeiro parágrafo, em que Lester, após beber uísque no gargalo e "mastigar valiums como se fossem jujubas", chega até a mesa de Reed e dispara coisas do tipo: "O que eu e milhões de fãs do mundo inteiro queremos saber sobre Bowie é: primeiro você, depois Jagger, depois Iggy. Que diabos ele tem?". Ousadia e deboche que, infelizmente, parecem ter ficado para trás, naquela época em que o mundo da música ainda não era dominado pelo videoclipe...

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