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Paulo Sérgio Pinheiro, relator especial da ONU para Mianmar | Reprodução/Unesco
Paulo Sérgio Pinheiro, relator especial da ONU para Mianmar| Foto: Reprodução/Unesco

Superação no DVD Beba-me

Elza ainda nem surgiu na tela e já se ouve a voz rouca, emocionada, cantando à capela "Meu Guri", música de Chico Buarque a qual ninguém conseguiu como ela imprimir tanta gravidade e tristeza. Mais Chico: "Dura na Queda", título emblemático para a situação da cantora, ainda com os pontos da cirurgia, precisando do apoio de uma cadeira, mas em pé, vistosa em seu vestido de paetês e com flores vermelhas enfeitando os cabelos.

A voz quase falta nesse começo. Logo, porém, o palco a envolve e Elza se deita sobre a cadeira, sensual, solta, com disposição para cantar "Pra Que Dis-cutir com Madame?" (Haroldo Barbosa e Janet de Almeida). Segue bem-humorada em "O Neguinho e a Senhorita" (Noel Rosa e Abelardo Silva), animada por piano, metais e percussão. Em "Pranto Livre" (Everaldo da Viola e Dida), abandona o microfone e mostra a voz poderosa.

Ela se apossa das letras de "Lata D’Água" (Luis Antônio e Jota Jr.), colocando-se como personagem, e de "A Carne" (Marcelo Yuka e Seu Jorge), em que a palavra "minha", adicionada aos versos fortes do refrão, torna a canção mais íntima ("a carne mais barata do mercado é a minha carne negra"). Elza é cantora que se entrega. Intensa e pessoal. (LR) GGG1/2

Comemorar 70 anos de vida, idade que Elza Soares não confirma nem nega, está fora de cogitação. Afinal, para a cantora, que teria nascido em 23 de junho de 1937, a vida é agora. E não há motivo que a convença a festejar um ano a menos pela frente. O aniversário, porém, não passará em branco. A trajetória de sucesso dessa sambista, nascida e criada em uma favela carioca, é brindada com o lançamento do seu primeiro DVD, Beba-me, pela Biscoito Fino.

O show, gravado no Sesc Vila Mariana, estava previsto para acontecer em fevereiro, mas problemas de saúde levaram a cantora à mesa de cirurgia e adiaram o projeto. Elza subiu ao palco em março, ainda em processo de recuperação, resistiu às dores e cantou 22 sucessos de seus 47 anos de carreira – desde o primeiro, "Se Acaso Você Chegasse" (1960), de Lupicínio Rodrigues, a "Dor de Cotovelo", canção de Caetano Veloso da qual saiu o verso "do cóccix ao pescoço", título do disco gravado por Elza em 2002.

O novo registro, Beba-me, é um convite a beber da cantora "na fonte". "É para se embriagar de Elza, uma bebida forte", avisa a sambista, durante a entrevista concedida por telefone ao Caderno G.

Você estava em recuperação de uma cirurgia quando gravou o DVD?Elza Soares – Estava saindo de uma operação de diverticulite [inflamação no intestino], a mesma coisa que teve o Tancredo Neves, e estava com colostomia (procedimento cirúrgico de drenagem fecal), não tenho vergonha de dizer. O meu marido, meu anjo da guarda, me enfaixou. Fiz o DVD enfaixada, com uma cinta para que eu resistisse, porque tinha saído da cirurgia há pouco tempo.

E com foi gravar o DVD nesse estado?Acho que é a mão de Deus, sangue, suor e muita lágrima no camarim para segurar a barra. Não sei explicar o que foi que senti. Medo é difícil dizer. Tive coragem, medo não, porque tinha certeza de que estava protegida. Tinha momentos em que eu até esquecia. Coloquei uma cadeira no palco para servir de apoio e, ao mesmo tempo, servir de cenário. Ficou bonito. Depois, eu a carregava para cá e para lá, ficou sendo minha amiga. Sempre tive uma cadeira na minha vida (risos), desde "Cadeira Vazia", do Lupicínio Rodrigues (sucesso de 1961).

Apesar da dificuldade, você ficou satisfeita com o resultado do DVD?Eu adorei pelas circunstâncias, adorei o carinho dos músicos, os arranjos do Eduardo Neves, tudo ali foi uma junção de paz. Só sei que paguei muito forte pelo primeiro DVD.

E por que a demora em gravar o primeiro registro nesse formato?Eu nunca tive muito frisson por DVD, mas uma hora tinha que sair. Só não esperava que fosse nessas circunstâncias. A gente resolveu fazer o CD com todas as músicas de sucesso que eu já tinha gravado, um "check-up". Todo mundo colaborou na escolha do repertório. José Miguel Wisnik (diretor do show) foi meu tudo! Como muitos cantores estavam regravando os meus sucessos, eu disse: "Peraí! Acham que estou no hospital? Não! Beba-me, beba Elza da fonte, que eu estou com o corpitcho em cima. Mas gravarem Elza também é sinal de que fiz coisas boas".

E por que optar por um DVD sem convidados? Eu não tinha idéia de convidados, porque amo todo mundo: Jorge Ben, João Gilberto, Caetano, Gal, Bethânia. Se todo mundo entrasse no show, não sobraria espaço para eu participar (risos).

Você já se declarou avessa à nostalgia. Como foi regravar os antigos sucessos?Detesto passado, odeio nostalgia, foi tudo feito hoje. Meu tempo é agora. My name is now!

Falar dos 70 anos, então, nem pensar?Não existe, não conheço, não gosto e tenho raiva de quem sabe. Você é o que você sente, o que apresenta.

Alguma dessas músicas regravadas teve uma importância maior para você?Tudo que está nesse DVD é importante, é a minha vida, a minha batalha, a minha estrada. Gosto muito quando canto o "Rap da Felicidade", "Palmas no Portão" e "A Carne".

Você já tem planos para o próximo registro?Por enquanto, não. Estou dirigindo o DVD do Anderson Lugão, meu marido. É um trabalho completamente jovem e a gente está com a intenção de fazer outro trabalho assim.

O show de Beba-me virá a Curitiba? Deve ir. Estou correndo praticamente o mundo. Vou para o Chile e depois para Roma. Mas o Brasil está em primeiro lugar, para agradecer tudo o que fez por mim.

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