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Em 1979, a estudante Petra Reski saiu de carro de Kamen, sua cidade natal na Alemanha, até Corleone, na Sicília, para sentir na pele a atmosfera do livro O Poderoso Chefão, de Mario Puzo, transformado na trilogia mitológica filmada por Francis Ford Coppola. Mal imaginava que sua curiosidade a levaria a se mudar para a Itália, em 1989, para investigar profundamente a atuação da Máfia no país.

O resultado desta imersão é o livro Máfia – Padrinhos, Pizzarias e Falsos Padres (Tinta Negra, 240 págs., R$39,90), que lhe rendeu, entre outras premiações, o prêmio Melhor Jornalista 2008 na Alemanha na categoria reportagem e o prêmio Civitas 2009, na Itália, por sua contribuição ao jornalismo. A obra é uma espécie de romance-reportagem em primeira pessoa, que alterna os principais episódios da investigação de Petra sobre a Máfia a partir do massacre de Duisburg, na Alemanha, em 2007 – quando um clã da facção mafiosa ‘Ndranghetta assassinou membros de um clã rival – com o registro do trabalho da fotógrafa antiMáfia Letizia Battaglia.

Ela entrevistou desertores das organizações criminosas, advogados, padres e viúvas nas cidades onde os clãs mafiosos estão instalados como Palermo, Corleone e San Luca.

Confira a entrevista que a autora concedeu à Gazeta do Povo por e-mail de sua casa em Veneza, na Itália.

Como nasceu seu interesse pela Máfia? Li que a senhora viajou para a Itália quando ainda era estudante porque havia gostado muito do filme O Poderoso Chefão?

O meu interesse nasceu de modo folclórico: quando tinha 20 anos, viajei de Kamen, a cidade alemã onde cresci, até Corleone, em um velho Renault 4. Depois de quatro dias de viagem cheguei a Corleone e fiquei muito desiludida, porque não havia nada do folclore mafioso sobre o qual li em O Poderoso Chefão – só alguns velhos sentados à beira da estrada. Em 1989, viajei pela primeira vez a Sicília como jornalista, para descrever a "primavera de Palermo", o momento de grande entusiasmo na luta contra a Máfia. Leoluca Orlando era o primeiro prefeito decididamente contra a Máfia, e eu comecei a compreender que a Máfia não tem nada a ver com o folclore descrito na trilogia.

As pessoas têm um fascínio pela Máfia, em boa parte, devido ao glamour que os livros e filmes dão às histórias sobre mafiosos. Isso é negativo ou positivo em sua opinião?

A imagem que filmes e livros transmitem sobre a Máfia frequentemente não tem nada a ver com a realidade – ao contrário, até mesmo os mafiosos ficam felizes de se verem descritos tão elegantemente nos filmes. Não se importam nem mesmo quando são descritos como sanguinários, porque assim as pessoas passam a temer a Máfia mais ainda. Até mesmo filmes como Gomorra não trouxeram nenhum problema para a Camorra, ao contrário, havia até mesmo camorristas que tiveram papeis como atores no filme e que depois foram presos.

Então, em geral, a Máfia é glorificada no cinema – e isso não traz qualquer efeito negativo para a Máfia, somente positivo. Infelizmente há pouquíssimos filmes que explicam bem o que é a Máfia: não apenas um câncer, mas um fenômeno que sobrevive graças ao sustento dos políticos e dos empresários – ou seja, de uma grande parte da sociedade. A Máfia não é um corpo estranho à sociedade, é sempre parte dela.

Depois que seu livro foi publicado, algo mudou na Alemanha no sentido de melhorarem as leis antiMáfia?

Absolutamente não, infelizmente. A Alemanha ainda acredita que não há mafiosos no país, está convencida de que a Máfia é um problema somente da Itália. Obviamente, se trata de uma ilusão, aparentemente não há interesse político em se falar do problema: neste caso, os cidadãos alemães poderiam acordar e se perguntar como não se fez nada contra a lavagem de dinheiro mafiosa – aparentemente, o dinheiro investido pela Máfia na economia legal é aceito com boa vontade pelos políticos alemães.

A senhora sofreu algum tipo de ameaça da Máfia?

Sofri ameaças e ainda sofro. Me protejo graças ao suporte da polícia italiana e alemã. E graças a tantos colegas italianos que foram ameaçados pela Máfia na Itália. Há uma grande solidariedade. Tenho muito apoio de magistrados italianos. Mas não quero me deixar intimidar – e nem mudar minha vida. Não quero que o medo determine minha vida.

As pessoas pensam que a Máfia é uma organização de homens. Mas no seu livro, a senhora fala das esposas, que transmitem aos filhos os valores da Máfia. É um ponto pouco explorado por escritores que investigam o tema, talvez porque eles sejam em sua maioria homens. O fato de ser mulher contribuiu para isso?

Talvez sim. Porque conhecendo as mulheres, em particular, as mulheres do sul da Itália, eu não podia crer que elas são apenas vítimas inocentes dos maridos violentos. A Máfia é feita de homens e mulheres, desde o início. Alguns estudiosos e magistrados tornaram público o envolvimento das mulheres com a Máfia. Elas educam os filhos com os valores mafiosos – são não apenas cúmplices, mas muitas ativas nas atividades da Máfia. E isto é válido para todas as mulheres dos mafiosos – mesmo para as alemãs.

Como é possível que, com tantas evidências da relação dos políticos com a Máfia, os italianos não façam nada para mudar esta situação?

A Máfia está ativa na Itália há cerca de 200 anos – mas hoje ela está inserida não só no tecido social, mas, sobretudo, no político. A Máfia determina a política italiana, a legislação em particular, e isso é válido não somente para os partidos de direita, de Berlusconi, mas também para aqueles de esquerda. O problema é que não há na Europa um grande interesse pelo problema – a Máfia é erroneamente considerada um problema italiano e não europeu (se não, global). Até que esta visão não se modifique, a Itália não conseguirá se salvar sozinha da Máfia. É necessária uma enorme pressão internacional. Mas depois da minha experiência com a Alemanha, sou muito cética. Grande parte dos países europeus fecha os olhos diante da existência da Máfia em seus países.

Tradução de Annalice Del Vecchio

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