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  • Confira as faixas do novo disco

O uso indiscriminado da tecnologia pode gerar excrescências. Por ocasião dos 50 anos do roqueiro Renato Russo, a gravadora EMI lançou neste ano um álbum de duetos do vocalista da Legião Urbana com outros cantores, todos bem vivos, numa combinação além-túmulo, com viés abertamente oportunista.

Mas nem tudo precisa ser armação quando o assunto é usar os recursos disponíveis na era digital. A gravadora carioca Biscoito Fina acaba de lançar um disco que é resultado de uma ideia original. No álbum Carmen Miranda Hoje, são recriados alguns dos maiores êxitos da carreira pré-Hollywood da artista, com a participação de grandes músicos da atualidade.

Sob a coordenação do violonista e cavaquinista carioca Henrique Cazes, os músicos Luís Filipe de Lima (violão de sete cordas), Beto Cazes (percussão), Dirceu Leite (sopros) e Ovídio Brito (cuíca) entraram em estúdio e acrescentaram seus instrumentos às faixas históricas. E, no centro do projeto, intacta, porém rejuvenescida pelo acompanhamento século 21, reina soberana a grande cantora que foi a Pequena Notável.

O disco é o resultado dessa experiência. Traz versões "remixadas acusticamente" de 12 clássicos de Carmen, como "Uva de Caminhão", "No Ta­­buleiro da Baiana", "O que É que a Baiana Tem", "...E o Mundo Não se Acabou" e "Adeus Batucada" (leia quadro nesta página).

O método a que recorreram é o utilizado em remixes de música eletrônica. Os fonogramas originais foram abertos em programa de edição de áudio e, sobre eles, foram gravadas as intervenções. Por conta delas, as novas versões ganharam entre 40 segundos a 1 minuto de duração em relação às originais.

Bossa

Não se trata, portanto, de necrofilia mercenária, como no caso lamentável da desomenagem a Renato Russo, mas de um resgate importante para as novas gerações de uma das maiores cantoras brasileiras (apesar de nascida em Portugal), que existe de maneira mais intensa no imaginário nacional como ícone do que como a grande intérprete que foi.

O texto de divulgação do álbum, alinhavado pelo talento do jornalista Ruy Castro, autor da biografia Carmen (Cia. das Letras), conta que a cantora entrou em um estúdio para gravar pela primeira vez, em dezembro de 1929. Tinha apenas 20 anos. Mais jovem que ela, apenas a tecnologia que tornaria aquele disco possível: a gravação elétrica havia vindo ao mundo em 1918.

Castro argumenta que, sob o processo de gravação mecânica que, no Brasil, foi utilizada até 1927, talvez Carmen Miranda nunca houvesse encontrado seu lugar ao sol. Ele explica que, nessa tecnologia, vozes e instrumentos musicais eram captadas por uma espécie de megafone. Esses impulsos sonoros eram impressos di­­retamente na cera.

A gravação mecânica era ultra-acústica e impunha uma ditadura do vozeirão, adequada a intérpretes praticantes do canto lírico. Portanto, "mandava bem", para os padrões vigentes, quem fosse capaz de cantar mais alto. O que não era o caso de Carmen, muito longe de ser uma artista com pendores operísticos.

A gravação eletro-magnética mudou o jogo – o microfone captava a voz, a transformava em impulsos elétricos, permitindo a amplificação. Não era mais preciso ser um Enrico Caruso para gravar um disco. Esse avanço beneficiou compositores que cantavam (não tão bem), como Noel Rosa, e intérpretes de voz pequena, mas cheia de bossa. Os exemplos clássicos, neste primeiro momento elétrico, são Mário Reis e a própria Carmen.

Castro explica que a mudança de tecnologia de gravação permitiu a valorização do timbre, da afinação.

O primeiro disco de Carmen – um 78 r.p.m., com duas músicas, uma música de cada lado – fora gravado na Brunswick. O selo deixou que ela escapasse e assinasse contrato com a Victor, gravadora pela qual lançou, de cara, as marchinhas "Iaiá, Ioiô", de seu mentor Josué de Barros, e "(Taí) Pra Você Gostar de Mim", de Joubert de Carvalho. As duas fizeram sucesso no carnaval e foram seguidas de outros hits, com as bençãos do cachorrinho da Victor. Em pouco tempo era a grande cantora nacional. Até que, em 1935, seu passe foi vendido, numa transação de altas cifras, para a Odeon.

Nessa nova casa, Carmen voou ainda mais alto. Foi lá que registrou de "Adeus Batucada", de Synval Sylva (1935) até "Re­­censeamento" (1940), de Assis Valente. São essas matrizes que foram remixadas acusticamente por Henrique Ca­­zes no álbum Carmen Mi­­randa Hoje, um presente para quem ainda não descobriu o feitiço de Carmen. GGGG

Serviço

Carmen Miranda Hoje. Biscoito Fino. Preço médio: R$ 32.

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