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Convicto e insuperável

A luz se acendeu e Ney Matogrosso surgiu com um terno impecável sobre uma camisa prateada aberta no peito e uma gravata despojada. "Tango para Teresa" foi a primeira da noite, e demonstrou logo o trabalho arrojado do maestro Leandro Braga – que o acompanha ao piano e assina os arranjos do disco e do show.

Leia a opinião completa de Cristiano Castilho

"Ele pode entrar?", pergunta alguém, esticando o pescoço para dentro do camarim de Ney Mato­­grosso. Sentado, o cantor recebe a reportagem da Gazeta do Povo elevando a perna direita na cadeira estreita. O All Star preto fica à mostra, bem como sua calça jeans justa e a camisa cinza básica.

Faltava cerca de uma hora e meia para que o show Beijo Bandido (confira o serviço) – que será apresentado em Curi­­tiba para um Teatro Guaíra lotado, no próximo sábado –, tivesse início no Teatro do Bourbon Country, em Porto Alegre, na última terça-feira. Talvez por isso uma bandeja de frutas frescas permanecia intocada; o plástico ainda cobrisse os cinco tipos de queijos que lhe eram oferecidos; e garrafas de água e suco ainda resistissem lacradas. Enquanto conversava, além de enfileirar cuidadosamente utensílios para a maquiagem que faria em si mesmo dentro de alguns minutos, o intérprete acendeu uma vela branca, que repousava sobre uma bacia azul repleta de pétalas amarelas. "É só para deixar um astral legal", justificou-se, direcionando o corpo esguio em direção ao repórter.

Beijo Bandido é o show referente a seu último disco, lançado em 2009. Mais romântico e contido em comparação a Inclassificáveis – show exuberante que arrebatou público e crítica –, Ney Matogrosso sintoniza em canções muito bem arranjadas seu potencial gigantesco de intérprete.

"O repertório do disco já é ro­­mântico. Então, o meu trabalho no show foi não deixar ele piegas. Essa foi a minha atenção: tirar os excessos e dar um tratamento visual atraente", disse o cantor, que coassina a iluminação do espetáculo.

Aos 69 anos, não é difícil apontar Ney Matogrosso como um dos maiores intérpretes em atividade na música brasileira – apesar de "melhor" ou "pior" soarem indiferente aos seus ouvidos.

"Olho para tudo isso com muita relatividade. Só quero fazer bem o meu trabalho. Não estou aqui para tirar o espaço de ninguém e não estou competindo com ninguém. Faço o meu trabalho e que cada um cuide de si", comenta, elegantemente.

Sua voz única e sua postura ativa no palco continuam as mesmas de décadas atrás, quando ainda cantava "O Vira" (de Luli e João Ricardo) e "Sangue Latino" (de Pau­­li­­nho Mendonça e João Ricardo). Se naquela época a história do Brasil por vezes se refletia em sua música e era um combustível a mais para que veias saltassem de seu pescoço, agora é o puro prazer em subir ao palco que o motiva.

"Tenho um enorme prazer, um enorme orgulho de ser um cantor de música brasileira. O que tinha do lado de fora realmente era diferente e provocava algumas coisas diferentes em mim. Mas tenho o mesmo prazer ainda. Isso não passou nem diminuiu", aponta Ney.

Em seu novo álbum, Ney regravou com maestria tanto músicas que já podem ser consideradas patrimônio do cancioneiro popular, como "Fascinação" e "Tango para Teresa", como deu nova cara a composições mais pop, co­­mo"Nada por Mim" (balada de Herbert Vianna e Paula Toller). É quando a capacidade artística encontra o bom gosto musical.

"Ouço rádio quando dirijo e percebo que há muita novidade por aí. Confundo os nomes, acho que é um, mas é outro, aí me desinteresso. Mas tem gente boa, sim", comentou, lembrando de "um rapaz de Maceió chamado Vitor Pirralho [Vitor Lucas Dias Barbosa, rapper e professor de literatura brasileira e língua portuguesa]" e o grupo Zabomba, de São Paulo.

Ney é atencioso com seus futuros parceiros. O artista diz que recebe muitos discos em seu apartamento no Rio de Janeiro – o cantor mora apenas com a companhia de gatos e de empregados. "Ouço tudo que chega", confirma. Mas tempo para ouvir sem compromisso, só "no mato".

"Ouço música antiga quando vou para o mato. Gosto de ficar perto das coisas que gosto e conheço", diz. O mato é um sítio no distrito de Saquarema, a cerca de cem quilômetros do Rio de Janeiro.

Curitiba

Ney, sua banda e sua equipe deixam Porto Alegre amanhã, logo depois do derradeiro show em terras gaúchas. Quando há um pedido para lembrar de suas experiências em Curitiba, um flashback re­­gado a risos e suspense toma con­­ta do artista, que agora segura o joelho da perna dobrada na altura do peito.

"Durante o meu primeiro show no Guaíra, no final da década de 1980, pensei comigo: ‘as pessoas não estão gostando’. Elas eram formais demais, frias e pareciam não se envolver com o que estava acontecendo", lembrou. "Mas o show acabou e o povo não parava de bater palma e ninguém queria ir embora. Aí eu não entendi nada", diz, sorrindo, antes de completar. "Acho que hoje tenho mais intimidade com a cidade."

Girando a cadeira em seu próprio eixo, Ney Matogrosso virou-se para o espelho horizontal e tateou a toalha branca em busca de seus utensílios de maquiagem. A transformação estava prestes a acontecer.

Serviço:

Beijo Bandido. Ney Matogrosso. Teatro Guaíra (Pça. Santos Andrade, s/n.º), (41) 3304-7900. Dia 17 às 21 horas. Ingressos esgotados.

O jornalista viajou a convite da produção do show Beijo Bandido

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