
Quando publicou Ler o Teatro Contemporâneo em Paris, nos anos 1990, o diretor e estudioso Jean-Pierre Ryngaert dizia que a arte ainda estava identificada à vanguarda dos anos 50, "de tanto que o movimento foi radical e nosso gosto por rótulos amplamente satisfeito por essa denominação". De certo modo, havíamos parado em Beckett.
Passados quase 20 anos, Ryngaert ainda fala do apego às formas de teatro velhas conhecidas, citando o brasileiro Nelson Rodrigues entre os vivos, se diz admirador do pernambucano Newton Moreno, autor do monólogo O Livro, encenado por Eduardo Moscovis na Mostra Contemporânea. Na entrevista abaixo, o francês comenta as expectativas do público e revela os dramaturgos que mais lhe interessam hoje entre seus conterrâneos. Uma delas é Noêlle Renaude, de quem o diretor curitibano Marcio Abreu adaptou a peça Isso Te Interessa, prevista para estrear no segundo semestre.
Você abriu seu livro Ler o Teatro Contemporâneo afirmando que o teatro ainda se identificava com as vanguardas do meio do século 20. Quase duas décadas depois dessa afirmativa, esta ainda é uma verdade ou avançamos?
As ideias de "vanguarda" não foram fáceis de assimilar e há certa satisfação em aderir a uma espécie de convicção do passado. Se eu pegar um exemplo brasileiro: conheço Nelson Rodrigues e posso pensar que não há nada depois dele e me ater à sua maneira de escrever. Levou 50 ou 60 anos para o sistema francês de educação admitir que Beckett existiu. Então... É claro que podemos apreciar autores como Rodrigues e Beckett que são muito mais do que um momento de "vanguarda". Mas nós geralmente precisamos de tempo demais para apreciar novos autores e nos interessarmos por outras gerações.
O teatro contemporâneo rompeu com diversos pressupostos teatrais, o que trouxe mais liberdade. Agora, décadas depois, você pensa que novas "regras" se criam?
Alguns modos de escrita são comuns agora, como a fragmentação, a crise do drama e o uso diferenciado dos personagens. Às vezes, é apenas uma maneira de estar na moda. Para alguns escritores, essa é realmente sua maneira de se expressar no estilo de um mundo cambiante. Mas, é claro, muitos dramaturgos se mantêm no "velho estilo", o que não significa que não sejam bons.
O seu livro mais recente publicado no Brasil foi Jogar, Representar e tratava do jogo. É a essência do trabalho do ator?
Na França, nós não fazemos distinção entre "jogar" (jouer) como as crianças e "representar" (jouer) como os atores. O que tento dizer no livro é que os atores precisam sentir e dar algum prazer enquanto estão no palco, contra a atuação acadêmica e chata.
Você considera que os espectadores ainda têm dificuldades para ler o teatro contemporâneo? Por quê?
Sim! Ler teatro não é fácil, especialmente quando eles tentam encontrar em uma nova peça os ingredientes do velho teatro. Nós temos que aceitar ser surpreendidos ou desorientados. Geralmente, escolhemos repetir os sabores de nossos bons e velhos prazeres. A maioria das pessoas não quer "se esforçar" (nem um pouco) quando lê ou quando vai ao teatro. Nem experimentar um novo sabor.
Quais dramaturgos franceses mais o interessam recentemente?
Gosto da Noêlle Renaude, do Philippe Minyana, do Valère Novarina e do franco-canadense Daniel Danis, de quem dirigi uma peça. Eles propõem formas e histórias e, especialmente, trabalham a linguagem.
Qual o lugar do teatro em uma sociedade individualista e midiática como a nossa?
O teatro ainda é o lugar onde pessoas vivas encontram pessoas vivas. Não é muita coisa, mas é muito importante... De tempos em tempos, é uma experiência incrível, entre uma porção de desilusões.



