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Aos 62 anos, entre Olinda e o Rio de Janeiro,Valença vai dos sons do sertão aos do Oriente | Marcelo Correa/ Divulgação
Aos 62 anos, entre Olinda e o Rio de Janeiro,Valença vai dos sons do sertão aos do Oriente| Foto: Marcelo Correa/ Divulgação

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Confira, a seguir, breves comentários sobre as canções do álbum Ciranda Mourisca, pinçadas de projetos anteriores do compositor pernambucano.

"Pétalas", do álbum Maracatu, Batuques e Ladeiras (1994), é uma canção (parceria com Hebert Azul) sobre amor e liberdade: "Só serei flor quando tu flores no verão".

"Chuva de Cajus" também trata de amor e os seus impulsos irreprimíveis: "Meu São Jorge Amado/ Livrai-me do ódio/ Dos apaixonados." Do álbum Estação da Luz, de 1985.

"Amor Que Vai": balada já presente no álbum Maracatu, Batuques e Ladeiras (1994), dialoga com ondas do mar, nessas sistoles e diástoles eternas de que a vida é feita.

"Maracajá": canção que faz referências explícitas a outros autores, como Carlos Drummond de Andrade e Luis Buñel. Do álbum Maracatu, Batuques e Ladeiras (1994).

"Deusa da Noite (Dia Branco)": Gravada pela primeira vez em 1974, para o álbum Molhado de Suor, a faixa é uma ode ao amor e às possibilidades noturnas de encontros a dois.

"Mensageira dos Anjos": outra maneira de homenagear a quem se ama. De álbum Molhado de Suor, de 1974.

"Íris": toda força da coloquialidade da fala poética do brasileiro traduzida em uma canção-culto à mulher amada. Do álbum Leque Moleque, de 1987.

"Sino de Ouro": tudo para a pessoa amada. Eis o mote desta canção, gravada originalmente em 1985, para o álbum Estação da Luz.

"Molhado de Suor": canção que empresta o título ao álbum homônimo, de 1974, é uma carta de intenções à mulher amada, que se vale dos sentidos para demonstrar os desejos.

"Loa de Lisboa": Uma leitura sobre a capital portuguesa, com referências ao poeta Fernando Pessoa e a logradouros lisboetas. Original de 1990, do álbum Andar, Andar.

"Dente de Ocidente", do álbum Molhado de Suor, de 1974, é um libelo pró-natureza: "Essa espuma sobre a praia/ É um dente de ocidente/ É um dente, um osso, um dente/ Vomitado pelo mar".

"Ciranda da Rosa Vermelha": é a única, deste álbum, que Valença ainda não havia gravado. A música, de amor, foi aproveitada, em tempos distantes, por Elba Ramalho.

Alceu Valença é muitos. Uma dessas nuances diz respeito à incrível capacidade de verbalizar continuamente. Por telefone, de sua casa em Olinda, ele fez, a pedido da Gazeta do Povo, uma breve síntese da cidade pela qual é enamorado: "Olinda tem sete colinas de onde se vê o mar, flores, casarões e igrejas. Olinda tem o carnaval mais espontâneo do Brasil, com maracatu e frevo de rua. Há muita história, muitos pintores e, principalmente, muito azul."

E azul é elemento presente em Ciranda Mourisca, o mais recente projeto do artista pernambucano. O álbum, de fato, é de Valença. Apenas saiu, licenciado, pela gravadora Biscoito Fino. Ele é guerreiro. Depois de 35 anos de trajetória, e mais de três dezenas de registros em estúdio e ao vivo, não quer mais saber de gravadoras. Já passou por muitas: Copacabana, Som Livre, BMG Ariola, Polygram, RCA, Odeon, Abril, Sony e Indie. A pressão por incluir (ou excluir) canções não existe mais. Agora, o que há é "sussuro de brisa, balanço do mar".

Outros horizontes

Valença gosta de desafios. Em tempos recentes, surgiu a hipótese de fazer um projeto de recuperação da ciranda, expressão cultural nordestina. Na ponte-aérea Olinda-Rio de Janeiro, entre banhos de mar, rodas de violão, batuques de talkdrum e agogô, ele pinçou 12 canções de seu repertório que não se tornaram hits, e dialogam com a ciranda.

O compositor pernambucano, natural de São Bento do Una (criado entre o sertão e a Zona da Mata), observou que havia um elemento comum nas músicas escolhidas: o fator oriental. Pronto, o álbum estava batizado: Ciranda Mourisca.

A formação nordestina não é, nem jamais esteve, imune às influências mouras e mediterrâneas via toque do colonizador lusitano – e isso pulsa nas melodias do respertório no álbum. Gravado entre setembro e outubro do ano passado, Ciranda Mourisca evidencia outra faceta do artista: Valença é obsessivo. Chegou a trabalhar durante 20 horas por dia. Bem gravado e mixado, o CD traz sonoridade que vai do sertão ao mundo das Mil e Uma Noites. Pra lá de Marrakesh? Sim. Longe demais de qualquer obviedade.

Vários palcos

Valença é plural e musicalmente versátil. Tem, no mínimo, três formatos de shows. Um deles é para o primeiro trimestre e as festas momescas. Outro, mais pop-rock, funciona – em tese – o ano todo. E há ainda uma opção intimista para teatros, a exemplo do que insinua o repertório de Ciranda Mourisca. Do Rock in Rio ao Festival de Jazz de Montreux, Valença encontra ressonância em variadas platéias. Só não faz mais turnê. Diz tocar onde chamam. Pode estar em Manaus e, dia depois, em Porto Alegre. E Curitiba? Ah, o Paraná deflagra memórias caras ao artista.

A primeira temporada que passou fora da casa dos pais, aos 14 anos, foi no segundo planalto paranaense. O então jogador de basquete encontrou a sua primeira namorada em Ponta Grossa.

Anos depois, já bacharel em Direito, a década de 1970 a correr, os primeiros discos de vinil gravados, conheceria Curitiba. Dos palcos do Guaíra e do Teatro do Paiol, a logradouros como o Largo da Ordem, a Rua XV e o Passeio Público.

Posteriormente, atravessaria o estado. Maringá, Londrina, Cascavel e Pato Branco, cidade que aglutina muitos de seus admiradores. "Conheço e gosto muito do Paraná."

Coisa de poeta

Valença é poesia. A oralidade de sua fala transborda em suas canções. "Íris,/ Olhando as penas coloridas dos concrises/ Dos sabiás, dos rouxinóis e das perdizes." Nonsense? Surreal? Que nada. Para quem já se embriagou de Luis Buñuel, reprocessando a fonte em um hit como "La Belle de Jour", pouca imagem, metáfora e trampolim para o delírio é bobagem. A cidade de Fernando Pessoa é o elemento deflagrador de um pontos altíssimos deste álbum repleto de excelências: "Ao pé de uma praça/ Chamada Alegria/ Havia uma rua/ Que responderia/ O porquê dessa chuva/ Sem filosofia,/ A grande verdade/ É que chuva chovia", canta Valença, em "Loa de Lisboa".

Ele também é prosa. E, a partir das possibilidades do idioma, da força que a palavra pode ter, conta e canta a vida, como se fosse cronista acompanhado de melodias. Olhos bem abertos, sabe que o amor vai e vem. A partir do que a estrada ensina, consegue e ousa dizer que um beijo pode ter o sabor do mel da cana.

Sonhador, deseja que o seu poema seja leve, seja éter, seja pássaro. Valença, entre outros predicados, tem na simplicidade um dos ingredientes que edificam os pilares de sua sólida trajetória de artista brasileiro.

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