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Odilon Esteves e Rômulo Braga, em momento de proximidade dos amigos Raul e Saul. | Diego Pisante/Divulgação
Odilon Esteves e Rômulo Braga, em momento de proximidade dos amigos Raul e Saul.| Foto: Diego Pisante/Divulgação

Londrina - Em passagem pelo Maranhão, a companhia mineira Luna Lunera teve a dimensão da diversidade de público que encontraria em suas viagens pelo Brasil com o espetáculo Aqueles Dois, uma das atrações do Festival de Teatro de Londrina (confira a programação completa). Um dia, estiveram no Teatro Artur Azevedo, na capital São Luis, capaz de abrigar até 700 pessoas. Em outro, fizeram de palco a quadra esportiva de um colégio, em Paço do Lumiar.

Mas a apresentação mais inusitada ocorreu mesmo no município de São José do Ribamar, o quinto mais populoso do estado, para a comunidade da Matinha, em um precário galpão de ensaios de Bumba Meu Boi. "É uma comunidade rural praticamente. A vivência daquelas pessoas era muito diferente da nossa no ambiente urbano", conta o ator Marcelo Souza e Silva. Para complicar, na plateia o que mais havia eram crianças e adolescentes descobrindo, realmente pela primeira vez, o teatro.

A solução do grupo foi tornar as referências presentes no texto, adaptado do conto de Caio Fernando Abreu, o mais didáticas possível. E em vez de "Almodóvar", diziam "o cineasta espanhol Pedro Almodóvar" – sabendo que, mesmo assim, a informação pouco significaria àquelas pessoas.

Por um lado, foi uma experiência frustrante. Sem condições técnicas o espetáculo não rende tanto quanto poderia. Mas, por outro, ultrapassou em muito a experiência com teatro que aquelas pessoas costumavam ter, e elas aproveitaram. "Algumas coisas são mesmo universais: a questão da amizade, da solidão, a troca de presentes, a perda da mãe, a morte", constata o ator Odilon Esteves. "No palco giratório você encontra o Brasil real", diz.

Por três vezes, uma delas em Matinha, o grupo cortou a cena de nudez. Outra em Palmas, ao sul do Paraná. Segundo Marcelo, foi uma percepção que mal sabe explicar de que a cena não seria conveniente para aquela plateia.

Paranaense

Aqueles Dois começou seu percurso Brasil adentro no dia 24 de março, pelo Palco Giratório, um projeto do Sesc. Até novembro, terá passado por 43 cidades, do Rio Grande do Sul a Rondônia. Só no Paraná, foram nove paradas: Foz do Iguaçu, Palmas, Cascavel, Marechal Cândido Rondon, Campo Mourão, Umuarama, Paranavaí e Londrina – aonde retornaram esta semana, para se apresentarem mais três vezes a convite do Festival Internacional de Teatro, o Filo.

Isso, claro, sem contar as duas vezes que estiveram em Curitiba. Na primeira, em março de 2008, saíram consagrados como o melhor espetáculo apresentado naquele ano no Festival de Curitiba. Festejados por público, crítica e classe artística, tiveram o impulso necessário para dar vida longa à peça. "Tínhamos feito duas temporadas em Belo Horizonte, mas Curitiba projetou o espetáculo", diz Odilon.

Em suas idas ao interior, os atores sentiram que estar na plateia mexia com a autoestima das pessoas. Quando parte do público reagia de modo muito efusivo, outros espectadores os procuravam para se desculpar pelo comportamento da cidade, envergonhados. Gravataí, no Rio Grande do Sul, foi um exemplo. "Em muitas cidades por onde a gente passou, o Palco Giratório era um dos únicos eventos culturais. As pessoas criavam uma expectativa muito grande, ansiosas para que gostássemos da cidade. Esse tipo de reação era uma decepção para elas", completa Marcelo.

No Rio de Janeiro, ficaram dois meses em cartaz pelo Circuito Cultural Banco do Brasil. Faziam sessões de quarta a domingo, sempre com a casa cheia. E, em plena capital, presenciaram uma senhora, acompanhada das amigas, contrariar-se ao longo do espetáculo até se revoltar diante da cena de nudez: "Aí já é demais", disse ela, para fechar a cara dali em diante. Outra intervenção inesperada aconteceu em Vitória da Conquista, na Bahia. Quando se anunciou a demissão dos personagens Raul e Saul, por fofocas sobre a natureza da relação entre eles, uma espectadora deixou escapulir: "Bem feito!".

"Essas gaiatices são raras, mas a gente tem a calma de esperar que a própria plateia se reposicione em reação àquilo. No dia em que as senhoras mostraram a rejeição delas perante aquele universo, o aplauso foi intenso, com um tom de ‘olhe como a senhora é preconceituosa’", lembra Odilon.

Nos debates, realizados sempre depois da apresentação, alguns temas de discussão surpreenderam, como o direcionamento que se dá à vida. Já a possível homossexualidade dos personagens, por vezes, era transcendida. "As pessoas têm aceitado essas possibilidade de o Raul e o Saul serem gays, ou os dois serem heteros, ou um gay e outro hetero. Elas se reconhecem e se perguntam: Então esse amor é igual ao meu? Eles também sofrem com a perda da mãe, a solidão, têm a rotina de trabalho muitas vezes medíocre, assim como eu, independente da orientação sexual?", relata Odilon.

* A repórter viajou a convite do Festival Internacional de Teatro de Londrina.

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