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Várias Marias Ritas subiram ontem ao palco do Guairão para apresentar o show Redescobrir, idealizado como uma homenagem à cantora Elis Regina, no ano em que se completam 30 anos de sua morte. Nas palavras da artista, que por várias vezes se dirigiu ao público que lotou o Guairão para falar de mãe, trata-se muito mais de um espetáculo pensado para fazer caber o amor, a saudade e o respeito de uma filha, do que propriamente um veículo para reafirmar seus dotes de intérprete. E não há por que não acreditar no que ela disse.

VÍDEO: Veja como foi a apresentação de Maria Rita no Guairão

Embora seja dona de uma bela voz, que sabe usar de maneira muito sua, em interpretações muitas vezes contidas, mas também emocionais, e até arrebatadas, a Maria Rita que se viu ontem era diferente daquela que conquistou o país ao longo dos dez anos transcorridos desde que iniciou sua carreira. Era uma artista, uma mulher, uma filha e uma mãe (ela está grávida de cinco meses) à flor da pele. Talvez, por isso, seja tão difícil pensar no show objetivamente: é uma jornada emocional intensa tanto para ela quanto para o público.

Para início de conversa, Maria Rita e Elis Regina não são se confundem e compará-las seria, além de um procedimento leviano, uma perda de tempo. Sim, elas têm o timbre assemelhado. Há também traços físicos em comum, mas pensar em uma querendo reencontrar a outra, analisar a filha tendo a mãe como parâmetro, é inadequado, por mais tentador isso possa ser para muitos.

A própria Maria Rita disse, para todos os 2 mil e tantos espectadores que tomavam cada assento do teatro, que Elis foi, é e sempre será "a maior cantora que esse país já teve". Uma assertiva contundente, até passível de ser debatida, mas com um inegável fundo de verdade.

Redescobrir é um show lindo, mas está longe de ser mero entretenimento, do tipo "Vamos ouvir boa música e comer uma pizza depois!". É um petardo emocional. Justamente porque Maria Rita escolheu não se esquivar e enfrentar o monumento, o mito, o furacão que foi sua mãe. E o fez com graça, desenvoltura cênica, arrebatamento e extrema emoção. E tudo isso acertou em cheio o público, que, em grande parte, saiu extasiado do teatro.

Assim como foram várias as Marias Ritas que deram o ar de sua graça ontem à noite, o roteiro do show, bem alinhavado, contempla diversas facetas da saudosa Pimentinha.

De cara, em uma costura entre as canções "Imagem" (dos tempos do programa O Fino da Bossa) e "Arrastão", clássico de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, Redescobrir evoca o início de estrelato de Elis, nos anos 60. Tempos nos quais os braços da cantora gaúcha pareciam ter vida própria, dando sinais da dimensão do voo que iria alçar. E, em seguida, veio um golpe certeiro: "Como Nossos Pais", música de Belchior incluída no show e no álbum Falso Brilhante (1976), que se transformou em hino de uma geração e que, na voz de Maria Rita, ganhou sentido profundamente pessoal. O público cantou junto, emocionado. E, depois, ouviu Maria Rita explicar a importância emocional do show para ela enquanto filho, e não apenas como artista.

O segmento seguinte de Redescobrir é dedicado a canções que dialogam com a paixão que Elis tinha por seus ídolos: "Vida de Bailarina" é do repertório de Angela Maria, cantora que imitava quando menina, no Rio Grande do Sul; "Bolero de Satã" foi gravada em dueto com Cauby Peixoto no disco Essa Mulher; e "Águas de Março", que dispensa apresentações, foi registrada no antológico LP Elis & Tom, fruto da colaboração irretocável entre a intérprete e Antônio Carlos Jobim.

Em seguida, veio uma bela interpretação de "Saudosa Maloca", na qual a cinematográfica e melancólica letra de Adoniran Barbosa ganha cor e movimento graças ao talento de Maria Rita para letras que dela exigem maior dramaticidade – ela, como a mãe, tem a capacidade de fazer com que o público enxergue as imagens descritas pelas canções.

Elis política

Em um dos segmentos mais intensos do show, logo após interpretar "O Bêbado e o Equilibrista", música de João Bosco e Aldir Blanc que se transformou numa espécie de hino da anistia, no fim dos anos 70, Maria Rita parou para falar sobre a militância política da mãe, do quanto Elis se comovia e se importava com os rumos tanto da classe dos músicos como do país, buscando sempre fazer o melhor uso possível do privilégio de ter um microfone nas mãos. Desse bloco mais engajado do show fizeram parte as canções "Menino" – escrita por Milton Nascimento em homenagem ao estudante Edson Luís assassinado no dia 28 de março de 1968 num confronto com a Polícia Militar no restaurante Calabouço, no rio de Janeiro – e "Onze Fitas", composição de Fátima Guedes. Ambas integram o repertório do show e do álbum Saudades do Brasil (1980).

Emoção

O ápice emocional de Redescobrir, no entanto, viria quando Maria Rita, depois de cantar a sensual "Tatuagem", de Chico Buarque e Ruy Guerra, confessou que, por muito tempo, não gostou de ouvir as gravações da mãe. Na adolescência, chegou a ter vergonha de ouvir Elis entoando versos tão arrebatados e dilacerantes, mas que, já adulta, começou a entendê-la e buscou, fora da família, saber mais sobre a mulher do que ela um dia foi.

Como tinha apenas 4 anos quando a mãe morreu, em 1982, Maria Rita teve de buscar, de várias maneiras, peças que fossem capazes de montar o quebra-cabeças que Elis Regina significava para ela. Em lágrimas, disse ao público que, hoje, acredita que, possivelmente, seriam grandes amigas e duas canções do repertório da mãe as aproximavam desse encontro: "Essa Mulher", de Ana Terra e Joyce, "Se Eu Quiser Falar com Deus", composição de Gilberto Gil. Várias lágrimas rolaram no teatro.

Por meio da pesquisa que fez para montar o repertório de Redescobrir, Maria Rita também resgatou, viu e reviu vídeos de shows e clipes. Isso talvez explique, ao lado da força genética, por que, em alguns momentos, ela parecia se confundir com a imagem da mãe. Em dois deles, especialmente, a voz, a linguagem corporal e as expressões faciais da filha trouxeram a mãe de volta ao palco do Guairão, onde Elis se apresentou algumas vezes em sua carreira. Nas interpretações de "Vou Deitar e Rolar" (de Baden Powell e Paulo César Pinheiro) e "Alô, Alô Marciano" (de Rita Lee), as semelhanças são particularmente assombrosas, mas distantes do que poderia ser considerado de mera imitação.

O último segmento do show, antes do bis, é dedicado ao grande Milton Nascimento, compositor e cantor mineiro (ainda que nascido no Rio de Janeiro) lançado por Elis e de quem a cantora se tornou amiga íntima. Maria Rita disse que não poderia deixar de reservar parte de Redescobrir a ele. "Ela dizia que se Deus tivesse voz, seria a de Milton Nascimento, e ele fala que só acredita que uma canção está pronta quando consegue ouvi-la na voz dela", contou Maria Rita. Dele e de Fernando Brant, cantou os clássicos "Morro Velho" e "Maria, Maria".

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Cultura e Lazer | 3:14

Maria Rita emociona Curitiba cantando o repertório de Elis Regina em show no Teatro Guaíra.

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