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Alex de la Iglesia afirmou que Balada Triste para Trompeta é seu filme mais pessoal | AFP
Alex de la Iglesia afirmou que Balada Triste para Trompeta é seu filme mais pessoal| Foto: AFP
  • O grego Attenberg: ritos de passagem na juventude em roupagem inovadora
  • O épico Noi Credevamo trata do processo de unificação da Itália, há 150 anos

Melhoras sensíveis nesta segunda e última parte do 67.º Festival de Veneza. Depois de um início sem maiores explosões de talento, a não ser pela abusada farsa Potiche, de François Ozon, nos últimos dias a mostra competitiva acenou com sinais de vida inteligente. Não sem tempo, já que a competição entra hoje na reta final e ainda falta peso nessa balança que mereça aprofundadas e notáveis especulações do júri.

O que se tem antecipado são as possíveis preferências de um presidente como o diretor norte-americano Quentin Tarantino, reconhecidamente cinéfilo de cartas marcadas para determinado tipo de narrativa, digamos, mais física e menos cabeça. Vale uma boa aposta.

Saudáveis ventos de insanidade invadiram as salas de Veneza com a alucinante viagem de Alex de la Iglesia em Balada Triste de Trompeta. A última explosão do mais extravagante diretor espanhol, responsável por alguns títulos cult como El Dia de la Bestia e Perdita Durango, é um mix de gêneros, um envolvente ménage à trois entre horror, comédia e drama de amor.

Com direito a temperos extras, como a política, por meio de revisita ao doloroso período da Guerra Civil e do franquismo subsequente, e um ritmo de aventura eletrizante.

Tudo muito louco e selvagem, como foi a ditadura do generalíssimo Franco. Uma metáfora e tanto, esta balada de La Iglesia.

No ambiente de um circo, no início dos anos 1970, o Palhaço Triste, filho de palhaço republicano morto em 1937 pelas forças de Franco, se apaixona perdidamente pela bela e volúvel equilibrista, também alvo da paixão de outro palhaço.

Pelo amor dessa mulher, os dois vão às últimas e mais imponderáveis consequências. Agiu com amplo discernimento a curadoria da mostra veneziana, acolhendo esse autor, que faz uma espécie de ultracinema, alguém que não respeita nada e ninguém: gêneros fechados, códigos, espectadores.

Na coletiva, o diretor afirmou que Balada Triste para Trompeta é seu filme mais pessoal. E arriscado. Sobre a presença do elemento político, De la Iglesia explicou: "Temos um passado muito doloroso, que condiciona nosso presente. Nossos avós sofreram, nossos pais sofreram, a Guerra Civil destruiu a vida de muitos, abalou para sempre a confiança das pessoas. Por isso, a ira é a essência e o sentido do filme, que é também um ritual exorcista para expurgar a angústia, a agres­­sividade, a dor".

Unidade italiana

Não foi uma redenção a rigor, mas serviu para restaurar a confiança na squadra azzura, escalada para a competição, depois de duas mais do que discretas baixas. E também para aliviar certo mal-estar após a exibição fora de concurso do polêmico Valanzzasca, de Michele Plácido, acusado de glamourizar o megacriminoso Renato Valanzzasca e seu bando.

Embora um du­­ro teste para a to­­lerância da plateia com seus 204 minutos de du­­ração, o drama Noi Credevamo (Nós Acreditávamos, e esta é uma tradução que deve ser mantida onde quer que se exiba o filme) é uma empenhada e satisfatória tentativa de traçar abrangente painel de época, mais precisamente da historia italiana no século 19.

Não por acaso, o diretor Mario Martone realizou esse projeto: em 2010 se celebra o sesquicentenário da Unidade da Itália, tema hoje por aqui crucial e muito debatido.

O extenso, detalhado e vez ou outra confuso roteiro de Martone se apoia na ficção para aos poucos reconstituir a realidade. A narrativa segue a vida de três jovens amigos, Domenico, Ângelo e Salvatore, cuja trajetória de conspiradores e revolucionários será assinalada pelo rigor moral, pulsão homicida, sacrifício, medo, clandestinidade, prisão, frustração de ideais e desilusão política.

Como pano de fundo, a história pouco conhecida (até para quem nasceu e vive na Itália) do nascimento do país, do conflito sempre presente acerca da verdadeira identidade dos "pais da pátria", da insolúvel fratura entre o Norte e o Sul, das raízes de onde se originou o país tal como existe agora.

Aliviada, a imprensa local saudou efusivamente o diretor e equipe no momento da coletiva. Não apenas porque o filme tem de fato qualidades, mas também porque Martone é nome respeitado desde seu início de carreira, em 1985: além de bons documentários, são dele duas refinadas ficções, Morte de um Matermático Na­­po­­litano e L’Amore Molesto.

Sobre a produção, ele disse que "não é um filme oportunista, apesar do lançamento na Mostra de Veneza. Entre o início do projeto e a primeira cópia pronta foram sete anos de trabalho. E agora que a viagem chegou ao fim coincidentemente nesta data e nesta cidade, símbolo da luta pela unidade, posso dizer que sou um homem feliz".

Bom presente de grego

Apesar da recente crise financeira que abalou seriamente a zona do euro, a Grécia demonstra aqui em Veneza que, pelo menos em frescor e criatividade, o pouco cinema que se faz no país pode ser motivo de orgulho.

Attenberg (na verdade o título não significa nada, somente a maneira como a personagem principal, Marina, pronuncia Attenborough, sobrenome do biólogo apresentador de documentários de tevê sobre a vida dos mamíferos) é uma história muito original sobre um rito de passagem, um tanto tardio, é verdade, mas ainda assim uma travessia, já um pouco além da adolescência rumo à maturidade.

Marina (Ariane Labed, na lista de premiáveis), de 23 anos, vive numa cidade experimental à beira mar. É virgem, tem uma única amiga que lhe conta coisas sexuais e lhe ensina a beijar, além de compartilhar típicas brincadeiras infantis. Sem mãe, no entanto tem um pai arquiteto, doente quase terminal que considera o século 20 sobrevalorizado e se prepara para morrer. Marina conhece um homem que chega à cidade e o elege para a iniciação sexual. Enquanto isso, vai descobrindo e anotando alguns maravilhosos mistérios sobre a fauna humana.

A diretora, Athina Rachel Tsan­­gari, diz que fez "um filme sobre quatro pessoas que por acaso se encontram num mesmo lugar por um breve período de tempo. Três pessoas que se tornam quatro e depois duas. Três, naturalmente, é o único número perfeito numa relação". O depoimento na coletiva resume criteriosa e muito sutilmente o que é de fato esse filme surpreendente como tema e como estética, livre, leve e solta: um momento de inteligível criatividade no sortido emaranhado de propostas que é Veneza.

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