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Mineiros do Grupo Galpão trazem a peça Eclipse à Mostra 2012 do Festival de Curitiba: recortes de contos de Chékhov e dramaturgia fragmentada com direção estrangeira inédita | Bianca Aun/Divulgação
Mineiros do Grupo Galpão trazem a peça Eclipse à Mostra 2012 do Festival de Curitiba: recortes de contos de Chékhov e dramaturgia fragmentada com direção estrangeira inédita| Foto: Bianca Aun/Divulgação

Opinião

Grupo pisa em território novo

Luciana Romagnolli, especial para a Gazeta do Povo

A estreia de Eclipse em Belo Horizonte, no fim do ano passado, passou longe da unanimidade. Na primeira apresentação, era visível o desconforto de parte do elenco num registro de atuação muito distinto da linguagem popular com a qual está mais habituado. Sem personagens nem conflito definidos, os atores se põem à deriva de elucubrações sobre a vida, como seres desligados uns dos outros e do lugar onde esperam o fim do eclipse.

É compreensível que seja assim. Este foi um processo criativo de atrito entre dois universos teatrais – e culturais – completamente distintos. E, em cena, as qualidades que sustentam os 30 anos de carreira do Galpão não são as que o diretor exige deles. Nem a comédia dell’arte nem o drama psicológico se oferecem como pilares. O desafio não é pequeno.

Mais acostumados a usufruir da força coletiva de grupo, os atores precisam dar conta de uma encenação que os individualiza, focando a atenção um a um, no limiar impreciso entre ator e personagem. Lydia Del Picchia, em pontas de pés como uma bailarina, e Inês Peixoto, em uma cena de rebeldia contra os moldes do espetáculo, são as que aderem melhor à proposta.

Pedagogo que é, Jurij Alschitz concebe uma encenação que não recusa o didatismo, tanto no cenário, em que o nome de Chékhov vem estampado, quanto nas projeções de legendas e nas discussões de ideias contidas nos textos, dos quais se pode apreender um debate sobre a arte versus tarefas mais "úteis", o futuro, as limitações das pessoas comuns e as possibilidades dos indivíduos "autênticos". Sua concepção visual se inspira no suprematismo russo, que prefere a artificialidade à imitação da natureza.

Azeitados pela temporada prévia em sua sede, o Galpão agora há de mostrar em vitrine nacional o que o difícil encontro com o desconhecido lhe propiciou. Como diz Lydia durante o espetáculo: "Que a humanidade suba por uma escada que se chama progresso, civilização, cultura. Suba e suba mesmo desconhecendo exatamente onde vai parar".

  • Romeu e Julieta: única montagem brasileira convidada para um festival que celebra a obra de Shakespeare em Londres

O Grupo Galpão passa por uma experiência contrastante. Ao mesmo tempo em que revisita o passado preparando com o diretor Gabriel Villela a reestreia do emblemático Romeu e Julieta para o dia 19 de abril, no Globe Theatre, em Londres, o coletivo de atores mineiros enfrenta o desconhecido entregue ao diretor Jurij Alschitz, com quem montou Eclipse – uma releitura de Chékhov à luz da vanguarda russa do início do século 20, como se verá na Mostra 2012 do Festival de Curitiba.

Essa é a segunda investida do grupo na obra do dramaturgo russo – a primeira foi Tio Vânia, dirigida por Yara de Novaes, no ano passado. E, mais uma vez, promove o confronto com um universo de personagens maduros tal como os atores, já na faixa dos 50 anos, e com questões próprias dessa etapa da vida. "Com Chékhov, é o que vem pela frente", sintetiza o ator Júlio Maciel, evocando um olhar adiante.

Já Romeu e Julieta se envolve em uma dupla nostalgia: a dos jovens amantes de Verona, nostálgicos de um futuro a dois que nunca se realiza na tragédia de Shakespeare; e a dos corpos e vozes que o Galpão mantinha 20 anos atrás "Ainda temos força e vitalidade", constata Maciel.

Eclipse foge do imaginário pré-fixado sobre a dramaturgia de Chékhov (1860-1904). Com a propriedade de quem foi discípulo de Malkovsky (um dos últimos alunos de Stanislavski) e é um respeitado pedagogo da escola russa, Jurij tomou a liberdade de recortar contos de seu conterrâneo – muitos, inclusive, nunca traduzido ao português – e compor uma dramaturgia fragmentada, orientada a responder a questão: "Se Ché­­khov estivesse vivo, que teatro faria hoje?"

Chico Pelúcio, Júlio Maciel, Lydia Del Picchia, Inês Peixoto e Simone Ordones – a metade do grupo que não participou de Tio Vânia – embarcaram na proposta de um espetáculo completamente estranho aos padrões do Galpão, mesmo considerando as esporádicas escapadas da linguagem popular em seus 30 anos de carreira.

Os atores se apresentam como cinco pessoas que convivem du­­rante um eclipse solar – situação pinçada do conto "Os Malfeitores". E filosofam sobre felicidade e talento, crença e pecado, em uma profusão de monólogos interiores. "Chékhov tentou conectar inconectáveis pensamentos e histórias. Isso é vanguarda, e dá im­­pulso para a dramaturgia do século 20", disse Jurij.

Para o Galpão, a escolha inédita por um diretor estrangeiro foi arriscada: nenhum dos atores havia visto qualquer espetáculo de Jurij. Para o russo, im­­portou a motivação. "Eles não são jovens, mas estão interessados em saber mais, não querem viver só da experiência que têm. Tenho grande respeito por isso", disse, em passagem por Belo Horizonte.

Reencontro

A retomada de Romeu e Julieta só coroa a incrível trajetória que teve o espetáculo criado em 1992, e que passou por 19 países até sair do repertório do Galpão em 2003. Em Londres, será o único brasileiro convidado ao festival que reúne distintas montagens internacionais das 37 peças de Shakespeare, durante as prévias para as Olimpíadas. Depois, deve ser apresentado em Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo.

Se não bastasse tal prestígio, a reestreia marca dois retornos: o do Galpão ao Globe Theatre, on­­de foi aclamado em 2000 com a mesma velha Veraneio que ainda serve de cenário ao desencontro de Julieta (Fernanda Viana) e Romeu (Eduardo Moreira); e o de Gabriel Villela ao grupo, após um desentendimento que afastou diretor e Galpão por anos.

Envolvido em outros espetáculos, como Hécuba (outra atração do Festival de Curitiba), Villela esteve em Belo Horizonte no início do mês para a primeira rodada de ensaios. E o que se viu foi um espetáculo ainda pulsante. "A presença do Gabriel é fundamental para redescobrirmos as vozes, os personagens e os sentidos", diz Fernanda.

O medo do elenco de não dar conta da encenação pelos anos acumulados está passando. "Envelhecemos. Mas a história envelheceu? Não", diz Villela. "Eu estou grisalho, mas o espetáculo não está. Não podemos trazê-lo para essa natureza cinquentinha. Temos que acessá-lo na sua plenitude juvenil".

A encenação se mantém fiel à original – para o que os atores estão recuperando as partituras das canções, se esforçam sobre per­­­­nas de pau e reativam o equilíbrio precário das atuações. "Hoje olho o espetáculo e contemplo uma poesia irresponsável, no sentido lúdico", diz o diretor.

Com a parceria reatada, já se pode esperar um fruto inédito: eles vão montar juntos Os Gigantes da Montanha, de Pirandello.

Serviço:

Eclipse. Teatro da Reitoria (R. XV de Novembro, 1.299). Dias 6, 7 e 8 de abril, às 21 horas. Ingressos a R$ 50 e R$ 25 (meia-entrada, mais R$ 3 de taxa de conveniência). Classificação indicativa: 12 anos.

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