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A estilista Vivienne Westwood | AFP PHOTO / CARL COURT
A estilista Vivienne Westwood| Foto: AFP PHOTO / CARL COURT
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Um Filme para Dirceu abre competitiva de documentários

Paulo Camargo

Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo

Ana Johann (foto) é cineasta e personagem de Um Filme para Dirceu

Quando Dirceu Cieslinski subir hoje à noite ao palco da Sala Villa-Lobos, a maior do complexo de espaços cênicos do Teatro Nacional, em Brasília, o gaiteiro estará concretizando um grande sonho. Verá ser projetado, para um público estimado em mais de 1,3 mil espectadores, o documentário Um Filme para Dirceu, longa-metragem da cineasta paranaense Ana Johann que reconstitui um tanto da mirabolante história do músico catarinense, de apenas 24 anos.

Já instalada na capital federal, a diretora falou ontem com a reportagem da Gazeta do Povo e contou que Dirceu está muito feliz e excitado com a oportunidade de ver sua trajetória exibida para uma plateia tão grande – e exigente – quanto a do Festival de Brasília. Tudo é muito novo para o gaiteiro, a começar pela própria viagem: ele nunca tinha colocado os pés em um avião.

Rodado entre 2009 e 2011, o documentário nasceu de um desejo intenso do próprio Dirceu: o de ver sua vida, que embora breve já passou por situações dramáticas e rocambolescas, contada no cinema. Quando ligou para a diretora, há quase quatro anos, ele tinha em mente um longa de ficção, aos moldes de 2 Filhos de Francisco. Mas Ana, que é jornalista formada e fez um curso de especialização em cinema documental em Barcelona, acabou o convencendo e, juntos, embarcaram em um obra de não ficção, em que ela também se tornou personagem, tamanha a interação entre os dois.

O personagem, que sempre sonhou "gravar um filme, um CD, um DVD e ficar famoso no Brasil inteiro", sempre a apresentava como "a Ana que ia fazer um longa sobre a vida dele", o que acabou sendo incorporado pela narrativa e levou a diretora também para a frente da câmera.

Músico desde a adolescência e gaiteiro dos bailes da região de São Bento, Dirceu teve uma mielite transversa aguda, infecção na coluna que o deixou paraplégico da noite para o dia. Ele ficou um ano na cadeira de rodas, voltou a andar, mas tem até hoje algumas dificuldades de locomoção. Tudo isso e muito mais está no longa, "que é o filme que Dirceu tinha na cabeça, o que eu pensei e o que a vida se encarregou de fazer, também".

Se, por um lado, Ana acredita que as fronteiras entre o cinema de ficção e o documental estão cada vez mais borradas e ambíguas, o fato de o Festival de Brasília os separar não a incomoda "Abriu-se mais espaço para a não ficção."

Como Janos, o deus bifronte que mira os dois lados, o Festival de Brasília 2012, que teve início ontem na capital federal, põe um olho no passado, como referência, e outro no que julga ser o futuro.

VÍDEO: Assista ao trailer do documentário Um Filme para Dirceu

No passado porque, em sua 45.ª edição, este que é o mais antigo festival de cinema do país, cultua um dos seus fundadores, o crítico Paulo Emilio Salles Gomes, cuja obra e legado serão debatidos em seminário.

Pensando no futuro, ou no suposto futuro, Brasília abre mão de suas melhores características – a concisão e a concentração – para ceder à contemporânea tendência ao excesso. Ao invés dos seus tradicionais seis longas-metragens em competição, coloca o dobro de concorrentes. Doze longas, divididos meio a meio entre documentário e ficção. E mais 18 curtas, partilhados em três blocos de seis – ficção, documentário e animação. Cada qual com premiação específica.

Para quem considera um retrocesso esse passo rumo ao gigantismo, há pelo menos uma boa notícia para compensar. O critério de ineditismo dos longas, que havia sido abolido no ano passado, volta a vigorar. Isso quer dizer que os 12 longas em competição serão novidade para o público e para os jornalistas.

Nenhuma dessas mudanças é definitiva. Serão adotadas em caráter experimental, é o que diz Sérgio Fidalgo, coordenador geral do festival. "Tudo isso nos traz certa insegurança", admite. "Vamos ver como o público reage, pois será uma maratona". De fato, é uma mudança radical na estrutura. O público de Brasília, bastante participativo, havia se habituado à dieta enxuta de um longa e dois curtas a cada noite.

Agora, haverá o dobro. E o conforto do Cine Brasília será apenas uma grata recordação, uma vez que a sala está em reforma e o festival será todo no Teatro Nacional, lindo, de bela acústica, mas que não tem nas apertadíssimas poltronas sua melhor referência. As cadeiras do teatro nos fazem sentir saudades das dos aviões, na classe econômica, para se ter uma ideia. "Estaremos fora do nosso ninho, que é o Cine Brasília", lamenta Fidalgo.

Fronteiras

Outro ponto polêmico é a divisão entre documentário e ficção, isso num momento em que as fronteiras de gênero derretem no mundo todo. "Também não é definitivo", diz Fidalgo. Mas acrescenta: "É verdade que a produção de documentários vem crescendo muito no Brasil e pode ser interessante abrir espaço para eles". Quando se argumenta que documentários já venceram o Festival de Brasília (Santo Forte e Peões, ambos de Eduardo Coutinho), responde: "É, mas o porcentual deles ainda é muito inferior ao da ficção".

Como nada é definitivo, nem a opção pelo ineditismo o é. Ano passado, abriram para os não inéditos e o festival foi muito esvaziado. Agora, graças à boa comissão de seleção, voltou-se ao ineditismo, embora o regulamento não o exija de forma cabal. É apenas medida de bom senso, de festival de ponta que se leva a sério. "Mas ainda preciso conversar mais com as pessoas, ouvi-las, e ver o caminho a seguir", admite Fidalgo.

Nesse mar de incertezas, o jeito é curtir o que se tem, sem pensar muito adiante. O cardápio parece apetitoso. Ontem, o festival teve início com um concerto da Sinfônica de Brasília, e a apresentação, fora de concurso, de A Última Estação, de Márcio Curi, conhecido produtor da cidade.

Hoje, começa para valer, com as mostras competitivas. A primeira sessão, com o curta Câmara Escura (PE), de Marcelo Pedroso, e o longa Um Filme para Dirceu (PR), de Ana Johann. Em seguida, mais dois curtas, Linear, de Amir Admoni (SP) e Canção para Minha Irmã, de Pedro Severien (PE), antecedendo o longa Eles Voltam, de Marcelo Lordello (PE). Será a primeira amostra de uma seleção que Fidalgo considera muito boa. "Vi os 30 filmes e fiquei entusiasmado", garante.

É ver e conferir. A seleção contempla um bom número de diretores ainda pouco conhecidos do público, o que é sempre estimulante. Mas há também os mais esperados, como a volta de Lúcia Murat à ficção com A Memória Que Me Contam, o novo filme de Vinicius Reis, Noites de Reis, e Marcelo Gomes com Era uma Vez Eu, Verônica, com a incrível Hermila Guedes no papel principal. Além deles, há Gabriel Mascaro, com Doméstica, Joel Pizzini com Olho Nu e Cao Guimarães, com Otto, entre outros.

A esperança é que a qualidade da seleção apague o equívoco conceitual da segmentação de gêneros (ficção, documentário, animação) e a superlotação dos horários. Afinal, talvez o futuro esteja na referência intelectualmente estimulante a Paulo Emilio, e o passado, nesta retrógrada opção curatorial.

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