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Orlando Silva, Cristovão Alencar, Nássara, Roberto Martins, e Evaldo Rui | Arquivo/Gazeta do Povo
Orlando Silva, Cristovão Alencar, Nássara, Roberto Martins, e Evaldo Rui| Foto: Arquivo/Gazeta do Povo

Os eternos poetas da MPB

Rio de Janeiro - Parceiro de Haroldo Lobo em "Alalaô" e outros sucessos, Antônio Gabriel Nássara (11 de novembro, Escorpião) foi o mais longevo da Turma de 1910: viveu 86 anos e foi um dos maiores campeões do carnaval. Compôs a primeira música em 1930, "Saldo a Meu Favor", e no ano seguinte tinha a primeira gravação, "Para o Samba Entrar no Céu". Fez o primeiro jingle do rádio brasileiro, foi locutor e era também um desenhista notável.

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  • Adoniran Barbosa desmente o mito de que São Paulo é

Rio de Janeiro - Parceiro de Haroldo Lobo em "Alalaô" e outros sucessos, Antônio Gabriel Nássara (11 de novembro, Escorpião) foi o mais longevo da Turma de 1910: viveu 86 anos e foi um dos maiores campeões do carnaval. Compôs a primeira música em 1930, "Saldo a Meu Favor", e no ano seguinte tinha a primeira gravação, "Para o Samba Entrar no Céu". Fez o primeiro jingle do rádio brasileiro, foi locutor e era também um desenhista notável.

Na letra de Maria Rosa (1933) cunhou a expressão "mulher fatal", que entrou imediatamente para o vocabulário da MPB. Mestre em paródias, citou "Ma­­mãe Eu Quero" em "Periquitinho Verde"; "Valsa dos Patinadores" em "Nós Queremos uma Valsa"; e "La Paloma" em "Pombinha Branca".

Falando à Ultima Hora, em 1952, Nássara explicou suas "mágicas sonoras", inspirados em Lamartine Babo: "Bastava o compositor descobrir uma melodia imortal, ritmá-la carnavalescamente e atirá-la no ouvido do povo. O povo, que estava condenado a só cantar marchinhas de melodias portuguesas, passou a solfejar melodias de Chopin e de Mozart e até Wagner compareceu algumas vezes ao Carnaval carioca, sem receber um níquel de direito autoral" .

Um exemplo consumado desta técnica é "Balzaquiana", sucesso de 1950 na voz de Jorge Goulart, que a certa altura incorpora "La Vie en Rose" em sua melodia: "O francês sabe escolher/Por isso ele não quer/Qualquer mulher./Papai Balzac já dizia/Paris inteira repetia/Balzac tirou na pinta/Mu­­lher só depois dos trinta."

Adido cultural no Brasil, Mi­­chel Simon verteu a letra para o francês e uma cópia da gravação figura até hoje entre as relíquias da Casa de Balzac, museu dedicado ao escritor em Paris.

Voz

Parceiro de Nássara, Noel, Haroldo Lobo – e também de Ataulfo, Newton Teixeira e Wilson Batista –, Armando de Lima Reis [Cristóvão Alencar] (8 de janeiro, Capricórnio) nasceu em São Paulo, mas foi criado no Rio, em Vila Isabel, o bairro de Noel, onde desde cedo se entregou à música, ingressando no bloco carnavalesco Faz Vergonha.

Já em 1934 teve sua primeira composição gravada, pelo Bando da Lua, o samba "Se Você Quiser Saber". Apresentador de programas na Rádio Guanabara a partir de 1935, inovou: "Os locutores pareciam estar chamando o ouvinte de Vossa Excelência; eu o chamava de Amigo Velho." (Esse ficou sendo o seu apelido.) Desde cedo, suas canções foram gravadas por estrelas como Dircinha Batista, Francisco Alves, Sílvio Caldas, Gilberto Alves, Nuno Roland.

Samba italianado

Em 1940, Orlando Silva gravou "Mal-me-quer", que a cronista de Carnaval Eneida considerava a mais bela marcha-rancho de todos os tempos: "Eu perguntei a um mal-me-quer/Se meu bem ainda me quer/E ele então me respondeu que não." Cristóvão de Alencar não deitou sobre os louros e seguiu compondo até morrer, em 1983.

Vinícius de Moraes disse certa vez que São Paulo era o túmulo do samba.

Basta um músico para desmentir este palpite infeliz do poetinha. Nascido João Rubinato [Adoniran Barbosa] (6 de agosto, Leão) em Valinhos (SP), este filho de imigrantes italianos comeu o pão que o diabo amassou, foi entregador de marmitas, tentou ser ator no circo, no palco, na rádio. Gongado várias vezes nos programas de calouros, finalmente foi aceito cantando um samba de Noel, "Filosofia", que lhe daria régua e compasso na carreira de compositor: "Não me incomodo que você me diga/Que a sociedade é minha inimiga./Pois cantando neste mundo/Vivo escravo do meu samba, muito embora vagabundo."

Adota o nome artístico de Adoniran (de um amigo de boemia) Barbosa (o sobrenome de um cantor quer admirava, Luiz Barbosa). Começa cantando mú­­sicas dos outros, mas, apesar de ganhar a vida como ator ra­­dio­­fônico, é um compositor in­­coer­cível.

Sensível observador da realidade que o cerca, adota a fala popular paulistana e retrata o universo dos "deserdados da terra" perdidos na Pauliceia. Saudosa Maloca, seu primeiro disco, de 1951, já dá o tom do que seria a sua obra: "Saudosa maloca, maloca querida/Dim dim donde nóis passemo os dias feliz da nossa vida." Os heróis da história – o narrador, Mato Grosso e Joca – lembram aqueles personagens desvalidos de Cannery Row, de John Steinbeck, o grande ro­­mancista social dos EUA.

Adoniran narra a demolição da "maloca" em toques cinematográficos: "Peguemo todas nossas coisa/E fumo pro meio da rua/Apreciá a demolição/Que tristeza que nóis sentia/Cada talba que caía/Doía no coração." Adoniran explicava: "Eles pensam que eu não sei falar ‘nós vamos’... são uns coitados! Eu também falo ‘nós vamos’, se quiser. Mas eu falo ‘nóis vai, nóis fumo’, etc., co­­mo fala o povo."

A "Maloca" estourou em 1955, gravada pelos Demônios da Garoa. O outro lado do disco também foi um sucesso, o "Samba do Arnesto". Quem não co­­nhe­­ce essa maravilha? Quem nunca a cantou altas madrugadas nas rodas de samba? E o grafismo vocal da introdução? Obra de gênio:

"Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Lalarirurirurá Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz Paiz"

E a emoção singela da letra: "Nóis fumo/Num encontremo ninguém./Nóis vortemo com uma baita de uma reiva/Da outra veiz, nóis num vai mais."

As canções de Adoniran fluíam, uma atrás da outra: "Iracema", "Tiro ao Álvaro", "Pra Que Chorar", "Trem das Onze" – no seu trabalho de linguagem até um Samba italiano ele compôs: "Ti ricordi, Gioconda/Di quella sera in Guarujá/Quando il mare ti portava via/E mi chiamaste/Aiuto, Marcello!/La tua Gioconda a paura di quest’onda."

Belas e gostosas canções, apreciadas, mas não se pode falar de sucesso, pelo menos em termos financeiros. O que levou Adoniran um dia ao desabafo: "Chega de homenagens, eu quero o dinheiro." Vida dura até o fim, principalmente para conciliar a boemia com o ganha-pão. O primeiro casamento só durou um ano; o segundo foi para a vida toda. Matilde sabia levar Adoniran. Até suas pequenas rusgas davam samba: Adoniran, de fogo na madrugada, perde a chave e tem de acordar Matilde para entrar em casa. Leva uma baita duma bronca, mas do episódio nasce o samba Joga a chave. Matilde ganhou sua música e o velho.

Adoniran sabia também compor temas de amor. Basta citar o "Prova de Carinho": "Com a corda mi/Do meu cavaquinho/Fiz uma aliança pra ela,/Prova de carinho./Quantas serenatas, eu tive que perder,/Pois o cavaquinho/Já não pode mais gemer."

Noel, Haroldo Lobo, Nássara, Cristóvão de Alencar, Adoniran – nunca a poesia da MPB foi tão rica e tão intensa. Fechando com o Poeta da Vila: "Batuque é um privilégio/Ninguém aprende samba no colégio/Sambar é chorar de alegria/É sorrir de nostalgia/Dentro da melodia."

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