Utopia é para enganar bobo
Roberto Campos, o mentor intelectual da direita brasileira, dizia que ser comunista na juventude era sinal de bom coração. Continuar acreditando nisso depois de certa idade é que era burrice. Arnaldo Jabor seguiu o ensinamento à risca: na juventude, pertenceu à geração que enfrentou os conflitos de 1968, usando a ideologia como principal arma. Hoje, aos 64 anos, tem horror à foice e ao martelo. Só de ouvir falar em Lenin, parece ter arrepios. "O comunismo não conseguiu mudar coisa nenhuma", vociferava na semana passada em Pinhais, na região metropolitana de Curitiba, enquanto esperava para começar sua palestra. Falaria para os visitantes e expositores de uma feira de transportadoras e de montadoras de caminhões. "O que existe (no Brasil) é o que os empresários fizeram", opinava. Uma mudança razoável para quem passou anos acreditando que a solução para o mundo estava em um estado forte.
Na entrevista à Gazeta do Povo, concedida no mesmo dia em que o marqueteiro Duda Mendonça ia à CPI dedurar o esquema do PT em paraísos fiscais do Caribe, Jabor quase espumava ao falar do governo. Na sua opinião, a atual gestão federal acabou com a boa fase do cinema nacional e está destruindo o legado daquele que ele chama de "o grande Fernando Henrique". Veja a seguir a entrevista.
Gazeta do Povo Você não pensa em voltar a filmar?Arnaldo Jabor Eu não quero filmar porque eu já fiz oito, nove filmes na minha vida. Não tenho mais vontade de filmar. Mas não é só isso. A realidade está muito mais espantosa do que a ficção. Então você vai filmar o quê? É muito mais impressionante você subir uma favela no Brasil e filmar do que fazer um filme sobre isso.
Existe chance de você ainda mudar de idéia?Nada é irreversível. Mas, em princípio, eu não tenho vontade. Porque você pode se expressar de muitas maneiras. Eu me expresso pela televisão, pelo rádio e pelos jornais. Todo dia. Pra fazer um filme, você leva quatro anos. Quando é um sucesso, o filme é visto por três milhões de pessoas. Eu falo toda semana para 70 milhões de pessoas.
Você já pensou em fazer livros de ficção?Vou começar a escrever agora. Vou fazer muito, se Deus quiser.
E sobre o que é o livro?Uma novela, um romance. Os meus artigos são muito ficcionais também.
O lançamento de teus filmes em DVD chegou a dar vontade de voltar àquele tipo de trabalho?Vontade dá, mas vontade não basta. Vocês que não fazem cinema vocês pensam que é fácil, vocês idealizam, acham que é uma coisa maravilhosa. É uma coisa horrorosa, uma aporrinhação. Principalmente agora, que o governo Lula acabou com tudo que a gente tinha construído durante o governo Fernando Henrique na área de cinema. Esses comunistas medíocres criaram situações e regras que prejudicaram tudo. Acabou o cinema brasileiro, que estava indo bem pra burro.
Quais são as regras novas que você considera prejudiciais?Tudo. Eles criaram uma porção de regras burocráticas, uma legislação restritiva, política.
Mesmo assim, há bom cinema sendo feito no Brasil?Tem grandes cineastas. O Brasil tem uma tendência para o cinema muito grande, assim como tem para o futebol. Toda hora surgem no Brasil cineastas bons. Pessoas que você nunca ouviu falar de repente fazem filmes ótimos. Tem o Sérgio Goldenberg (de Bendito Fruto), o José Padilha (de Ônibus 174), o Fernando Meirelles, o Beto Brant, a Carla Camurati, a Regina Casé, que dirige cinema bem pra burro. Tem a minha filha, a Carolina Jabor, que acabou de fazer o primeiro filme dela (na verdade uma série para o canal pago HBO), baseado em Rubem Fonseca, e que é talentosa. Tem o pessoal da Conspiração, o Andrucha (Waddington). Tem esse filme que vai estrear agora, Dois Filhos de Francisco, do Breno Silveira, e que dizem ser maravilhoso.
Você hoje tem uma visão mais crítica do governo Lula do que em 2003.É, no início eu elogiava.
Mas o Palocci você continua elogiando. Você quer vê-lo presidente?Foi Deus que mandou o Palocci para o Brasil. Presidente? Não. Eu quero que ele continue segurando a economia. Vocês, garotos, não sabem o que é uma inflação de 80% ao mês. Pelo menos isso o grande Fernando Henrique conseguiu melhorar nesse país. Aí entram esses medíocres, esses incompetentes, esses trapalhões, desonestos e destroem não só o governo: destroem o partido e destroem eles mesmos. Não adianta fazer grandes observações sociológicas, filosóficas sobre esses caras. São uns babacas. Essa é que é a crítica. O José Dirceu é um maluco, um psicopata.
E o Lula?O Lula é um operário que fez um trabalho bacana no início, descobriu um caminho bacana, mas foi envolvido por esses medíocres. É um ignorante, passou 30 anos querendo ser presidente, podia ter estudado. Aí tomou o poder e ficou deslumbrado. Entregou o governo na mão desses caras pra não ter que se aporrinhar. Graças a Deus, entregou a economia na mão do Palocci, ficou viajando, etc. E quando foi ver tinham feito essa cagada.
E você acredita realmente que ele não sabia de nada?Ah, sabia de uma forma irresponsável. "O Dirceu fica armando umas coisas aí, mas eu não sei direito" (diz, imitando a voz do predisente). É assim. Chama-se falta de organização, incompetência, irresponsabilidade e burrice. A gente precisa recuperar as palavras importantes. Senão fica uma análise profunda sobre uma mediocridade. Você, para analisar uma coisa mixuruca, não precisa de grandes profundidades. É burrice, estupidez, arrogância, falta de cultura, falta de formação política, velhos vícios de 1917, da Revolução Soviética, leninismo fora de época. É isso.
Você sempre escreve sobre o fim das utopias. Existe alguma que tenha sobrado?O que é utopia? É uma palavra inventada pelo Thomas More no século 17 (na verdade, no século 15), que significa "outro lugar". É uma ilha onde se realizariam todos os sonhos da humanidade. É uma brincadeira que ele fez, uma piada. Esse negócio de utopia é coisa pra enganar bobo. Tem que pensar no presente. Você está doente, sem dinheiro e aí eu falo assim: "Agüenta firme, que um dia você vai ficar bem". Tem que cuidar de você agora. Mas os caras não querem, sabe por quê? Porque cuidar do presente dá trabalho. Utopia não. Você diz: "Um dia você vai ficar numa boa". Só isso.
Um slogan para o seu pensamento poderia ser algo como "Pragmáticos do mundo inteiro, uni-vos"?Pragmáticos, não. Responsáveis. Você vê uma feira como essa (a Transportar, no Expotrade Pinhais). Os caras estão construindo caminhões, mil coisas. E os políticos atrapalhando. O que salva o Brasil são os empresários, é a economia, é o próprio país. O país está parado politicamente e está andando. O dólar caiu, o superávit está crescendo. As exportações estão batendo recorde. Por quê? Sozinho. Política? Não precisa de política. Essa entrevista está boa, viu?
O Diogo Mainardi...(interrompendo) Não conheço, não sei quem é.
Ele escreveu na Veja, dizendo que não aceitaria fazer esse tipo de palestra para ganhar dinheiro.Não vou falar sobre esse cara. Não interessa.
Ele citou nominalmente você.É porque ele quer que eu responda. Ele quer aparecer, só isso. Mas isso você não põe aí. Eu não quero dar chance, ele só quer abrir polêmica.
Você tem fama de polemista, contestador. Mas trabalha na Rede Globo, no Estado de São Paulo e na CBN, que são símbolos do establishment nacional.Graças a Deus. E para O Globo. E para mais 13 jornais do Brasil. Qual é o bom jornal? É o Caros Amigos? Ou é a Cult? Bom jornal é O Globo, é o Estadão, é a Rede Globo, é a CBN, onde eu falo todo dia denunciando as coisas. É um trabalho maravilhoso. Esses jornais são maravilhosos. E são eles que existem. Não existe mais nada. O que existe é o que os empresários fizeram. O que a Globo tem feito para limpar esse país, pela democracia, nunca ninguém fez.
A sua geração costumava colocar a culpa de tudo na elite conservadora.A Globo não é elite conservadora. A Globo é uma empresa que fez coisas de apoio à ditadura, teve momentos ruins. Mas é uma empresa que tem o maior jornalismo do Brasil, que faz a maior investigação crítica do país. É uma empresa que trata muito bem os empregados, que tem uma produção de qualidade cultural que não tem igual no mundo. De modo que é isso, acabou a entrevista.
Só mais uma pergunta. No Brasil, as pessoas têm vergonha de dizer que ficaram ricas. Você ficou rico?Eu ganho bem hoje em dia. Se eu tivesse ficado rico, você ficaria feliz ou triste?
Eu acho que feliz.Ah. Porque existe isso. O sujeito fala: "Eu fiquei rico". Aí dizem que é feio. Bonito é ser pobre no Brasil. Não se pode achar que riqueza é feio e pobreza é bonito. Pobreza é feio. Riqueza pode ser feio também, se é riqueza de ladrão. Mas se você ganha dinheiro trabalhando é bom, né?
O fim da utopia do socialismo é também o fim do ideal da distribuição de renda?Não. O comunismo não distribuiu renda. Você sabe quantas pessoas morreram de fome na Coréia do Norte só no ano passado? Você é um jornalista, tem de saber. Dois milhões de pessoas morreram de fome nos últimos cinco anos na Coréia do Norte. Se não fosse o Ocidente ter mandado comida, eles teriam morrido mais ainda. O comunismo não conseguiu fazer coisa nenhuma. Eu fui comunista também, eu acreditei nessa hipótese. Não. A maneira de dar comida, provocar crescimento e fazer riqueza é você fazer desenvolvimento econômico, educação, produzir. Porque aí você cria emprego, aumenta a renda das pessoas, as pessoas têm emprego, começam a ganhar dinheiro e começam a não passar mais fome. É isso. E agora eu preciso ficar quieto, sozinho. Agora eu tenho que ficar quietinho senão eu não consigo falar depois.



