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O protagonista de Transeuntes é Expedito (o ator baiano Fernando Bezerra) | VideoFilmes/Divulgação
O protagonista de Transeuntes é Expedito (o ator baiano Fernando Bezerra)| Foto: VideoFilmes/Divulgação

PERFIL

Saiba mais sobre Eryk Rocha:

Homenagem

Filho de Glauber Rocha, Eryk Rocha dedicou o longa-metragem a ele e à mãe, a diretora Paula Gaitán. "Nasci aqui em Brasília, prematuramente, enquanto meu pai filmava A Idade da Terra (1980). Achei que seria pertinente a homenagem."

Documentários

Eryk estudou cinema na Escola San Antonio de Los Banos, em Cuba, onde encontrou duas longas entrevistas sobre e cinema e cultura na América Latina, gravadas pelo pai, em Havana, em 1971. O material serviu de base para o seu primeiro documentário de longa-metragem, Rocha Que Voa (2002), premiado em diversos festivais internacionais. Depois, se seguiriam Intervalo Clandestino (2006) e Pachamama (2008).

Em 2004, Eryk Rocha participava do Festival de Cannes com o curta-metragem Quimera. Sentado a uma mesinha de café, via passar uma multidão de celebridades hollywoodianas, sentindo-se um perfeito desconhecido. Teve, ali, o estalo para criar o argumento de seu primeiro longa-metragem de ficção, Transeuntes, que sensibilizou a plateia do 43.º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, na última quinta-feira (25).

"Queria fazer um filme que fosse um registro da memória, a materialização da passagem pela vida de um homem anônimo, solitário, que de outra forma, ao morrer, seria completamente esquecido", conta. Ali mesmo, rascunhou a ideia em cinco ou seis páginas. "Ao ver o filme inteiro, na tela gran­­de, percebo como essa primeira imagem, essa síntese da solidão, está fortemente presente no filme", conta o filho de Glauber Rocha, de 32 anos, sobre a ficção que se segue à realização de três documentários premiados (leia quadro).

Ele, no entanto, não se distancia do gênero ao realizar o filme, inteiramente em preto-e-branco, em que há uma espécie de dança permanente entre o ator, a cidade e a multidão de transeuntes que se confunde com os figurantes pelas ruas do Centro do Rio de Janeiro. "Entrei na ficção com a vontade de propor algo novo, um outro tipo de cinema. Interessa-me essa tensão que se cria ao amalgamar os dois gêneros", diz ele, que passou um ano pesquisando o centro carioca, pelo qual se diz apaixonado desde a infância.

O espaço urbano se torna uma espécie de personagem tal como o protagonista, Expedito (o ator baiano Fernando Bezerra), um homem de 65 anos, arraigado às perdas do passado, que parece apenas esperar pela morte en­­quan­­to transita sem ser notado pe­­las ruas cariocas, e que, pouco a pouco, se reinventa como se nascesse de novo. "O centro é região em plena transformação, onde vá­­rios tempos coexistem, o passado, o presente o futuro", diz.

Rocha poderia ter optado por um protagonista jovem e, por isso, com mais perspectivas pela frente. Preferiu discutir a reinvenção de alguém em um corpo já velho, mais próximo da morte, uma faixa etéria tão pouco presente na cinematografia brasileira. "É um elogio à vida, um filme de amor", diz. E o faz com coragem ao retratar, sem rodeios, até mesmo a sexualidade de Expedito, que ressurge intensa à medida que ele se redescobre. A cena de sexo com uma prostituta é bela e selvagem.

"Naquele momento libertário, de erupção, Expedito é uma mistura de bicho e criança", considera o diretor. O ápice da transformação do personagem, no entanto, é quando ele encontra, em suas andanças ao acaso, a Seresta De­­mocracia, um bar onde se reúnem velhos sambistas, filmado por Rocha de modo documental. "Não fechamos nenhum lugar para filmar", conta.

A belíssima fotografia em preto-e-branco – recurso usado, ge­­ralmente, para falar do passado, e que o diretor subverte – é construída de modos diversos ao longo do filme. No interior do apartamento de Expedito, que Rocha compara ao útero materno, a câmera é epidérmica, mas nunca vouyerista, deixando entrever poros, rugas.

"A intenção é captar o calor daquele corpo. Não se sabe onde termina a pele dele e começa a pele da cidade", diz. Nas ruas, o olhar do personagem e os sons de seu radinho de pilha, do trânsito caótico e das construções guiam o espectador em sua descoberta daquele homem do qual pouco se sabe. Cria-se, assim, uma relação de sensorialidade que nos permite sentir-se também transeuntes, mergulhar naquele universo.

A repórter viajou a convite do festival.

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