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Tico Santa Cruz: “Se um fã de Detonautas ler meu livro e quiser comprar outro por causa disso, terei feito meu papel" | Marcos Hermes/Divulgação
Tico Santa Cruz: “Se um fã de Detonautas ler meu livro e quiser comprar outro por causa disso, terei feito meu papel"| Foto: Marcos Hermes/Divulgação
  • Livro:Clube da Insônia. Tico Santa Cruz. Belas-Letras, 104 págs., R$ 22,90

Via de regra, são os músicos, mais do que os políticos, as atrizes, os religiosos e as celebridades instantâneas, os principais alvos do deboche disfarçado de observação "olha só quem escreveu um livro...". E nem mesmo Chico Buarque passou ileso a esse pequeno preconceito que supõe a literatura como detentora de um nível de profundidade inexprimível para um músico. Será?

Obviamente, os músicos só "desfrutam" dessa posição "privilegiada" porque estão em maioria no grupo de celebridades/escritores. De aventureiros ocasionais, como Theddy Corrêa, líder da banda gaúcha Nenhum de Nós, e Vítor Ramil, autor do agradável Satolep, passando por trajetórias consistentes como a do Titã Tony Belotto, até gente que vestiu a camisa e milita incansavelmente pelo "país de leitores" de que tanto se ouve falar, como Humberto Gessinger, do Engenheiros do Hawaii, e o rapper Gabriel, O Pensador – cujo cachê para a Feira do Livro de Bento Gonçalves (RS) o colocou como protagonista de uma polêmica com o escritor Fabricio Carpinejar – todos eles sentiram vontade ou necessidade de escrever sem cantar.

Entre as diversas razões que levam um artista disputado pela mídia a se enveredar perigosamente por um terreno que faz questão de separar a literatura de entretenimento (na pior acepção possível da palavra) do trabalho "sério", o líder da banda carioca Detonautas Roque Clube, Tico Santa Cruz, aponta como ponto em comum entre todos esses não mais do que "a sedutora riqueza da literatura". O crítico literário Paulo Venturelli, entretanto, não se deixa enganar pela suposta qualidade literária dos autores de ocasião. "Isso tudo é golpe de marketing das editoras que exploram nomes famosos sem valor intelectual nenhum para obter uma renda rápida", afirma.

Tico tem razões de sobra para pensar em uma resposta que exclua óbvias comparações entre as obras impressas de roqueiros: não só admite sua vontade de falar sobre tudo, como ele mesmo é a mais nova aquisição do time, com o livro Clube da Insônia, publicado pela editora Belas-Letras.

Compilação

A obra compila crônicas, contos, poemas e reflexões sobre política e cidadania publicados em seu blog homônimo, existente desde 2004 e atualmente hospedado no portal Globo.com – tudo de maneira caótica, sem qualquer classificação por data ou estilo, e sem alterações posteriores. Tudo em nome da fidelidade estilística e ideológica. "Eu tenho hoje uma capacidade de escrita muito mais aprimorada do que eu tinha em 2004. Se eu interferisse em narrativas passadas, estaria de alguma forma modificando como eu encarava as coisas naquela época. Principalmente porque não me identifico mais com muitas coisas que estão publicadas ali", conta o vocalista em uma entrevista por telefone, e completa: "Quando eu componho músicas, elas geralmente me vêm de uma vez só. Com a literatura é a mesma coisa. Eu escrevo como se estivesse vomitando".

O artista, frequentemente chamado de oportunista e polemista por seus desafetos – que não são poucos, haja visto sua verborragia impiedosa – não nega que almeja em seu livro uma profundidade maior do que em suas músicas, mas tampouco admite que estas sejam consideradas superficiais. "Normalmente a parte do meu trabalho que toca na rádio é o que é mais fácil de digerir", explica. Clube da Insônia também contempla diferentes níveis de texto. A mistura entre poemas de cunho político como "Aperte o Verde" e relatos perturbadores e despropositados como "Das Coisas Que Mudam o Mundo", em que conta como decidiu de uma hora para outra raspar todos os pelos de seu corpo. "Eu não premedito minhas pirações. Às vezes eu quero escrever algo para o blog e, sem ideia nenhuma, começo a escrever até que alguma coisa faça sentido. E muitas vezes as pessoas veem um sentido que nem era minha intenção inicial", afirma.

Leitor sem bússola, com uma biblioteca particular que contempla nomes díspares como Richard Dawkins, José Saramago, Jack Kerouac, Caco Barcellos, Luiz Eduardo Soares e até Paulo Coelho, Tico reconhece que é cedo para fazer frente a seus ídolos. "Sou um estreante, e a proposta desse livro é compilar meus textos para fazer as pessoas conhecerem um pouquinho mais da minha alma. O que estou fazendo agora é colocar um tijolinho nas imensas paredes de livros das livrarias e bibliotecas." Mesmo assim, reconhecendo o poder arregimentador da música, não se furta à ambição de mudar algumas vidas com sua obra escrita: "Se um adolescente fã de Detonautas comprar meu livro, ler, voltar à livraria e comprar outro, já terei feito meu papel." Especialistas como Paulo Venturelli, porém, não se deixam seduzir pelo suposto valor intrínseco do livro. "Esse é o tipo de obra que imbeciliza o leitor. Passamos hoje por uma ditadura da eterna adolescência, em que ninguém mais quer ser maduro. As únicas pessoas que lerão isso serão adolescentes que já não leem, mas são fãs da banda e senhores de idade, também sem a prática da leitura, que lerão na esperança de ater-se à já perdida adolescência. Um ajuste para o vazio da existência dessas pessoas que não têm um projeto de vida", finaliza.

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