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E aí pai? Resolvi te escrever uma carta de níver de 70 anos e aí eu lembrei da carta que a Anelis escreveu pro Ita. Viu, se você ficou com ciúmes agora não precisa mais. Aliás, que farra que deve estar aí vocês dois juntos com o Wally e o Ivo. Eu e a mana seguimos umas coisas tuas: a Aurea no jornalismo e no teatro e eu segui na composição e na pesquisa. Na poesia, nas letras de música e na publicidade eu segui também, mas vai saber se não puxei da mãe. Sobre a publicidade, não se preocupe, larguei bem rápido. Fui estudar música na faculdade, especialização e mestrado. Estudei bateria e tive uma banda de punk rock chamada Biscuit Pride. Era bacana, mas tivemos uma briga no palco e a banda terminou ali mesmo. Lembrava um pouco as apresentações que você fazia com o Retta sabe? Mas sem a meia-calça na cabeça. Agora tenho um trabalho de "cantautora" e logo estreio minha banda de rock nova (um power trio feminino) e volto pra batera.

Eu e a Aurea casamos, mas claro que não rompemos a tradição familiar: não teve nada de papel passado nem véu e grinalda, tá? A galera aqui tá ótima, você já tem dois netos e os dois adoram poesia e já arriscam uns lances. Eu tive um menino que tem o nome que você queria pra mim, Leon. Eu nem lembrava o quanto lembrava das brincadeiras que você ensinou. Pipa e essas coisas eu que apliquei aqui em casa. Violão ele já manja, mas nem ensinei como você fazia, com o violão deitado no colo, ele já tá tocando que nem gente grande. A Lorena desenha e canta muito lindo. Pensa numa polaca que dá de dez a zero em toda a família no palco! A mãe tá super bem, mora em São Paulo e tem lançado livros incríveis além de ter dado oficinas de haicai como ninguém. Precisa ver as músicas que ela fez. O Ita deve ter te atualizado de uma parte aí. Teu primo Waltel continua arrasando no violão. O negão já tá de cabelo branco.

Tenho sonhado com você. É estranho que, pra mim, você é uma coisa tão íntima, mas pros outros é público, então parece que as pessoas esquecem que estão falando do meu pai comigo. Talvez essa carta tão pessoal seja publicada e lembre a galera disso.

Você tem dado trabalho, mas tá valendo a pena. Desde que a gente resolveu assumir as demandas tuas e ir atrás do que era importante ser feito, um monte de coisas estão rolando. A mãe (precisa ver que gata que ela está de cabelo branco e corte todo moderno) levou os poemas lá pro Luiz como você pediu e você não acredita pai, você virou best seller de poesia. Sim pai, teu livro já vendeu cem mil cópias! Isso sem contar o que o pessoal já encontra no computador (chama internet). Saiu um livro pra criança com os teus poemas ilustrado pelo Ziraldo. Uma galera começou a escrever poesia por tua causa e até a UFPR já te aceitou. Sério. Sério mesmo.

Mas não é só coisa institucionalizada não, estamos itinerando uma exposição das tuas coisas e você precisa ver que barato os grafiteiros dentro do museu, ao lado daquelas HQs com sacanagem penduradas enquanto rola a banda A Chave em alto e bom som, transgressão total. É, você continuando subvertendo o sistema de dentro dele. Quem pensou nisso foi a mãe né, claro. Mas quem cuida é a Aurinha. Imagina que finalmente ela organiza tudo teu, papéis e livros e você nem pode reclamar. Tem coisa que falta lá, mas teve gente para quem você emprestou que não quis devolver. Um monte de coisas e até as coisas do Vô que você falou que seriam minhas, por exemplo. A casa de cultura que você queria ainda não rolou também. Mas o Jaime fez o espaço de shows mais lindo do Brasil e é quase uma homenagem pro tio Pedro, porque é em uma pedreira.

Falando em bagunça, você deixou todo espalhado o teu lance musical. Estou organizando aos poucos, terminando um songbook (o Marinho tá me ajudando nessa), interpretando umas músicas como você fazia, pensando no arranjo com as coisas que você curtia, saca? Police, Clash, Dylan, Hendrix. Tá chamando Leminskanções. Gravei 25 músicas (uma pra cada ano que passou), inclusive aquele ponto que você fez. E acredita que tem terreiro que usa como ponto mesmo? Sabe quem tá nesse trabalho comigo como baixista? O Érico, filho do Tico! E pra gravar no disco chamei também a filha da Lina, a Anaterra! Se eu fosse falar só dos filhos da turma você não ia acreditar, cada um arrasando na sua área! Além desses dois, tem o Gabriel Teixeira, tem o Jorge Brandt (que ninguém conhece assim, mas como Goura), o Cid, o Davi, o Betão… Tem até os que já estão aí, né? Manda um beijo pro Theo Back.

Os teus amigos tão massa, uns escrevendo pacas, ganhando prêmios, fazendo mil coisas: o Pinduca, a Josy, Dico, a Vilma, o Orlando, o João, o Marco, o Vitola, a Monicão... Mas tem gente também que acho que pirou com a tua ausência. Tem quem te transformou em personagem, tem quem começou a sonhar com você e fazer coisas como se você tivesse mandado. Mas fazer o que? É uma das etapas do luto né, você que viveu morte de pai, mãe, irmão e filho sabe bem como a gente pira com isso. Ainda mais depois que você começou a fazer sucesso. Tua ausência fica mais presente pra quem ficou. Você dizia que queria ser difícil no fácil e o fácil no difícil. Pronto, tá aí.

Lembra do teu texto sobre as "síndromes" que acometem os escritores? O mal de Cabral, o complexo de Drummond? Esses dias continuei o lance e escrevi a maldição de Leminski. Ficou hilário. Te mando depois.

Um cafuné no carpete!

Amor, Estrela

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