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A imagem é de captação fácil. Basta um celular, uma webcam, uma compacta. A técnica fotográfica foi absorvida pelas funções automáticas de dispositivos de captação e finalização; a tecnologia DSLR, mais barata e, logo, mais acessível, facilitou o fazer audiovisual. A dita linguagem cinematográfica foi há muito incorporada pela televisão e pela publicidade e está culturalmente enraizada. Sites como Youtube e Vimeo fomentam a produção de vídeos por amadores e profissionais. Há uma sensação de esgotamento, de banalização do imagético, do próprio imaginário. Dessa facilitação de produção e veiculação – sobretudo na internet – deriva uma sobrecarga de conteúdo, de todos os formatos, por realizadores absolutamente heterogêneos, distintos em formação e intenção, que podem facilmente atingir uma "qualidade fílmica". Entre tudo, há arte, há expressão, há exposição.

Qual o ponto em que o áudio encontra o visual para fazer cinema? Essa parece ser a pergunta que Leo Pyrata nos faz com seu curta experimental Cuauhtémoc, dividido em dois blocos contrapostos. No primeiro, nos deparamos com imagens soltas, que pouco conversam entre si a não ser por seu caráter de pessoalidade, de intimidade. Temos a impressão de que estamos invadindo a privacidade dos donos daquelas imagens "de baixa qualidade" de celular e webcam, talvez retiradas diretamente da internet. Flagramos um garoto sem camisa em frente ao computador, um casal se beijando no cartaz em uma recepção. Entretanto, a maior parte do tempo, ouvimos um diálogo ruidoso, em primeiro plano e quase proibindo que olhemos para a tela com atenção: é difícil conciliar som e imagem, é desconfortável. Entre as vozes e ruídos, um locutor se destaca e nos guia. Sua fala coloquial, descontraída e de uma indignação cômica, gira em torno justamente das facilidades da concepção audiovisual hoje, da permitida empolgação de colocar ideias em prática, porque elas parecem bastar ("O meu vizinho de doze anos com a cybershot filma melhor do que eu."). Então, entra uma música no melhor estilo trilha sonora de desenhos da Disney. Um alívio anunciando o segundo bloco, como se dissesse para nos prepararmos para o início de algo, para o início, finalmente, do filme.

A série de imagens de "arquivo" é substituída por uma única, que evolui. Rastros luminosos parecem ser dirigidos por alguém que digita no teclado de um computador; (ouvimos) o que talvez seja uma história, que nos prende. As cores mudam, a luz. Amanhece? Uma tela preta com apenas alguns pontos mais claros interpela a sequência, como um céu estrelado. Anoitece? A imagem é processada, manipulada: o cursor do mouse é revelado, alterando os elementos visuais. O tempo passa regido, também, pelo som dos dedos contra as teclas, uma instância superior à música nessa composição dinâmica. Em dado momento, porém, as notas atingem um clímax e passam a orquestrar a imagem, os cortes, as explosões de cor e luz. Quando a atmosfera suaviza, sabemos que chegamos ao fim.

A princípio, o cineasta parece dar um recado: a mera superposição de som e imagem não faz cinema. É preciso que esses dois componentes, mesmo que destoem, construam algo, sejam uma unidade. Todavia, se assim fosse, Leo Pyrata estaria sendo contraditório, afinal o aparente "desencontro audiovisual" do primeiro bloco pertence a seu filme e é condição para que ele exista. Além do mais, ao desvelar os recursos cinematográficos (a imagem digitalmente alterada, a carga emocional dada pela trilha sonora), é com ironia que o faz.

O que vemos é uma obra que se dá por contraste, que se provoca, porém não se anula. O realizador nos leva a pensar, nos atiça, nos faz uma pergunta. Esse é o seu objetivo e ele o alcança de uma forma inusitada. De resto, uma curiosidade: Cuauhtémoc foi o último imperador asteca, rendido e morto pelos espanhóis durante a invasão das Américas, já no século 16. Título do curta porque... Fica a dúvida. Meu palpite: uma provocação a mais. Cuauhtémoc significa "a águia que descende" (sobre a presa), mas também pode ser interpretado como "sol se pondo" (Wikipédia pra que te quero). Minha interpretação: se o sol está se pondo para o cinema, "feito por qualquer um", perdido entre tantas produções de diferentes valores pelo mundo (Rússia, França, República Tcheca...), fica implicado que ele nascerá de novo. Vamos esperar para ver como será o novo dia.

(Texto produzido durante a oficina de crítica cinematográfica da mostra Olhar de Cinema)

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