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"Estamira", documentário do fotógrafo Marcos Prado, chega às salas de cinema de algumas cidades do Brasil, nesta sexta-feira, com a missão de "revelar e cobrar a verdade". Alternando cenas em preto-e-branco e em cor, o filme aborda as condições de vida de quem tira seu sustento do lixo produzido pelas grandes cidades e os subterfúgios da mente humana para suportar uma realidade insuportável de ser vivida.

Contando a história desta mulher de 63 anos - 20 deles passados no meio do lixo -, que sofre de distúrbios mentais, o documentarista narra também a experiência de outros 1.500 catadores que trabalham no Aterro Sanitário de Jardim Gramacho, em Duque de Caixas, onde o lixo produzido no Rio de Janeiro, cerca de 80% das 8,5 mil toneladas que chegam lá diariamente, é despejado.

- Em 1994, quis conhecer de perto o local onde era depositado o lixo que eu produzia em minha casa. É difícil descrever a sensação que se tem quando se adentra pela primeira vez num lixão como Gramacho, na época. Além do mar de lixo, do cheiro fétido e putrefato do ar, do fogo e da fumaça que brotavam espontaneamente do chão, dos urubus, o que mais me chocou foram as dezenas de homens, mulheres e crianças que ali estavam, misturados ao caos daquele cenário de abandono e desolação. Trabalhavam em condições insalubres para garimpar sobrevivência nos nossos lixos - conta Marcos, que acompanhou a transformação do lixão em aterro sanitário.

Ao longo dos anos, Marcos voltou inúmeras vezes a Jardim Gramacho para fotografar. Apenas em 2000, seis anos depois de ter começado o projeto, Prado esbarrou com Estamira, sentada em seu acampamento.

- Aproximei-me dela e perguntei se podia tirar seu retrato. Ela disse 'claro, meu filho. Mas depois senta aqui pra gente conversar'. Conversamos por um longo tempo. Estamira contou que tinha uma missão na vida: revelar e cobrar a verdade. Um dia, ela me perguntou se eu sabia qual era a minha missão. E disse: 'sua missão é revelar a minha missão'. Foi aí que decidi fazer um documentário sobre a vida dela - explica.

Estamira, lúcida dentro da sua insanidade, alterna momentos de calma e contemplação com surtos de raiva e muita agitação. Um assunto que sempre a tira do sério é Deus, a quem chama de "Trocadilo", adverte não ser o que todos pensam que é e o acusa de ser culpado por tudo. Esta mulher que um dia foi religiosa, parece ter perdido a fé e desenvolvido ódio contra tudo que acreditava ser verdade, a partir de momentos difíceis de sua vida contados no filme. Estamira, com seu falar profético, era conhecida no aterro como feiticeira.

"Eu posso ser feiticeira, mas não sou perversa", declara numa cena.

Segundo Marcos, ao assistir ao documentário pela primeira vez, Estamira disse ter se reconhecido na tela.

- Ela achou que havia cenas muito fortes, mas disse que se reconhecia ali. 'Minha missão tá aí', afirmou - conta Marcos.

Hoje em dia, Estamira - que não gostava de chamar o lugar em que trabalhava de lixo, mas de "depósito dos restos" -, não é mais catadora.

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