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Herói

• Até pouco tempo, existiam dúvidas quanto à real existência de Besouro Cordão-de-Ouro.

• A dúvida foi esclarecida há alguns anos, quando foram encontrados dois documentos, um no Arquivo Público da Bahia, em Salvador, e outro no de Santo Amaro, referentes a possíveis crimes que ele haveria cometido.

• O apelido dado ao capoeirista está relacionado à crença dos moradores de Santo Amaro de que ele não poderia ser ferido por nenhuma arma de metal. Outra lenda é de que, quando em situações perigosas, transformava-se em besouro e saía voando.

• Apesar de admirado pelo povo, Besouro era odiado pela aristocracia da cidade, que exigia sua prisão. Em uma de suas fugas, após derrubar quatro soldados e ferir vários outros, Besouro saiu correndo pelo mato, ferido com duas balas, no queixo e no braço. Quando os policiais cercaram o local, ele se jogou em um rio e saiu nadando, até que uma canoa o acolheu e um pai-de-santo o curou.

"Besouro foi valente e só o mataram à traição, cortaram seu corpo todo, foi preciso catar os pedaços para o enterro. Ele lutava contra os barões, condes, viscondes, marqueses, que eram e são os donos dos engenhos, dos campos verdes de cana, que estabeleciam as tabelas de frete para os saveiros e canoas, ele invadia os engenhos, tirava um pouco do que era deles e dividia pelas viúvas, pelas crianças cujos pais morreram no mar". A descrição, presente em dos capítulos do romance Mar Morto, escrito pelo baiano Jorge Amado em 1936, narra apenas algumas das peripécias de Manuel Henrique Pereira (1885 – 1924), conhecido e idolotrado pelos apelidos Besouro Cordão-de-Ouro, Besouro Mangangá, ou ainda "o mais valente dos negros do cais" da cidade de Santo Amaro da Purificação, sua terra-natal.

A valentia e o heroísmo do personagem real, presentes na narrativa de Amado, causaram um impacto enorme na vida do então adolescente carioca Paulo César Pinheiro, que, ao ler o romance, fez de Besouro um tema de pesquisa e admiração que dura até os dias de hoje.

O primeiro resultado do interesse despertado pela figura do maior capoeirista de todos os tempos – título reconhecido tanto pelos mestres do estilo angola, quanto pelos mestres do estilo regional, nos quais a luta divide-se atualmente – foi o clássico samba "Lapinha", uma parceria de Pinheiro com o amigo Baden Powell, que aproveitava um dos versos folclóricos vindos da região do Recôncavo Baiano, possivelmente de autoria do próprio Besouro, que além de exímio capoeirista, tocava violão e compunha sambas-de-roda e chulas.

A canção, primeira composição do jovem Paulo César, foi gravada na voz da diva Elis Regina ("Quando eu morrer me enterre na Lapinha/ Calça, culote, palitó (sic) e almofadinha/ Adeus Bahia, zum-zum-zum/ Cordão de Ouro/ Eu vou partir porque mataram meu besouro") e em, 1968, acabou vencendo a 1.ª Bienal do Samba da TV Record, em São Paulo.

"Por isso eu digo que o Besouro faz parte da minha vida desde sempre. Passei anos recolhendo informações e histórias sobre ele. Fui até Santo Amaro e conversei com gente que o conheceu pessoalmente. Sua história inspirou muitas de minhas composições", conta Paulo César Pinheiro, em entrevista ao Caderno G.

O material recolhido nessas mais de quatro décadas de pesquisa sobre o capoeirista foi reunido há cerca de três anos, quando Pinheiro teve a idéia de escrever um roteiro para uma peça de teatro sobre seu grande herói. Ao vasculhar algumas gravações antigas, o compositor encontrou uma fita com nove canções, cada uma feita especificamente para os diferentes tipos de toques que podem ser produzidos com um berimbau, entre eles, Jogo de Dentro, Jogo de Fora, São Bento, Angola, Cavalaria, Benguela, Barravento, Iuna, Samango, Santa Maria e Besouro.

"Aí foi só adaptar o texto às canções e o musical estava pronto", simplifica o compositor, sobre a concepção da peça Besouro Cordão-de-Ouro, que estréia hoje no Festival Teatro de Curitiba, com ingressos esgotados para suas únicas duas sessões.

Em parceria com a JLM Produções – empresa carioca cujo universo de atuação possui uma forte ligação com a história da música brasileira (vide os musicais Obrigado Cartola! e As Robertas – Loucas pelo Rei) –, Pinheiro convidou o diretor teatral João das Neves para assumir o espetáculo. Após uma série de workshops realizados no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio Janeiro, foi escolhido um elenco de aproximadamente 15 atores negros, que passaram por dois meses de aulas práticas e teóricas sobre a arte da capoeira, ministradas pelos mestres Camisa e Casquinha.

Estreado em dezembro do ano passado, na capital fluminense, Besouro Cordão-de-Ouro arrancou elogios rasgados de público e crítica, entre elas, da exigente Bárbara Heliodora, que não apontou qualquer falha no espetáculo. "Foi uma grata surpresa, especialmente por ser minha primeira peça. Soube até que ela voltou para assistir ao espetáculo uma segunda vez, algo que nunca faz", revela Pinheiro, entre risos de orgulho.

Agora, o próximo projeto de Pinheiro é levar a história de seu herói aos cinemas, com a ajuda do amigo cineasta Ruy Guerra (A Ópera do Malandro), que se propôs a indicar o "caminho das pedras" ao músico.

"Ele acha que eu dou conta de dirigir o filme sozinho, já que minha estréia no teatro foi tão boa", conta. Além do filme, antes do segundo semestre deste ano, deve chegar às lojas um novo álbum de Paulo César Pinheiro, em que ele interpreta as nove canções do espetáculo (mais "Lapinha", com versos adicionais) e outras quatro composições inéditas.

Serviço: Besouro Cordão-de-Ouro. Casa Vermelha (Largo da Ordem, s/n.º). Hoje e amanhã, às 20h30. Ingressos esgotados.

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