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 | Carles Mercader/Divulgação
| Foto: Carles Mercader/Divulgação

Escritor italiano que completa 70 anos em 2009, Claudio Magris é um dos nomes que aparecem sempre nas listas de favoritos ao Prêmio Nobel de Literatura. Menos popular que o seu conterrâneo Umberto Eco (O Nome da Rosa), Magris produziu uma obra intimamente ligada à história e à cultura europeus.

Dele, a Companhia das Letras acaba de lançar a novela O Senhor Vai Entender, simultamente à reedição de Danúbio, pela Companhia de Bolso. O primeiro é apresentado como uma releitura do mito de Orfeu e Eurídice. É um texto breve, com menos de 50 páginas, sobre uma mulher que vive em uma casa de repouso e conversa com o presidente da fundação que mantém a instituição. A voz dele não aparece em momento algum, fazendo do texto um monólogo.

A mulher ficou doente anos atrás – diz ter sofrido uma infecção – e terminou internada na casa. Mais tarde, teve chance de sair, mas optou por voltar. Na verdade, o seu discurso trata de sua vida em relação à de seu marido, um poeta famoso, importante e egoísta.

O Senhor Vai Entender tem toques autobiográficos, uma chance usada por Magris para falar das relações entre homem e mulher, e também de seu vínculo com a escritora Marisa Madieri (1938-1996).

A narradora revela sua paixão pelo companheiro, a quem dedicou sua vida, lendo e revisando seus textos, tolerando seu ego e suas aventuras extraconjugais, que não foram poucas.

Mito

A bela Eurídice morre e Orfeu vai ao mundo "inferior" para resgatar sua amada. Tocando a lira – ele era famoso pela música que fazia –, consegue trazê-la de volta à vida com a condição de não olhar para ela até que estejam de volta ao mundo "superior". Quase no fim do caminho, Orfeu não resiste, precisa saber se Eurídice está com ele e olha para trás. Ele a vê por um instante e, em seguida, a perde para sempre.

Da impossibilidade de resgatar sua amada, Magris dá voz a uma versão ficcional dela, construindo uma crítica violenta contra si mesmo. Se surgiu ou não como a expiação de uma culpa, não importa. O Senhor Vai Entender deixa entrever o perfil de uma mulher generosa que dedicou anos ao homem da sua vida.

Reedição

Publicado no Brasil pela Rocco em 1992, Danúbio ganha agora uma reedição. O romance de 1986 é encarado como a obra máxima de Claudio Magris. O autor conseguiu levar para a ficção temas que parecem importantes em sua vida acadêmica. Professor de literatura alemã na Universidade de Trieste e dedicado a estudos sobre a cultura germânica, ele viajou pela Europa Central no início da década de 1980, seguindo o curso do rio Danúbio, que nasce na Alemanha e deságua na Romênia.

O segundo rio mais extenso da Europa – com 2,85 mil quilômetros, só perde para o Volga –, passa por Viena (na Áustria), Budapeste (Hungria), Belgrado (Sérvia) e outros seis países. A partir do Danúbio, Magris passeia pela história do continente europeu, abordando fatos culturais (as obras de Kafka, Canetti, Wittgenstein e Freud) e políticos (o surgimento de Hitler, dos campos de concentração e de nazistas como Adolf Eichmann).

Serviço

Danúbio e O Senhor Vai Entender, de Claudio Magris. Companhia das Letras, respectivamente: 448 págs. e 56 págs., R$ 26 e R$ 28,50.•••

"Eu tinha orgulho e queria que todos o admirassem e não me importava que não soubessem que o mérito era meu, que o fazia andar na linha. E agora me dá uma raiva que ele, com a desculpa do sofrimento e da dor, se deixe levar por todas as indecências que eu havia limpado uma a uma, como os fiapos no paletó ou os pêlos do nariz – é verdade, eu o espanei e transformei do alto dos cabelos até a ponta dos pés, desde que passamos a viver juntos, tanto que ninguém o reconhecia mais: estou certa de que ele, ao ver seu rosto no espelho, tão em ordem, também ficava boquiaberto."

Trecho de O Senhor Vai Entender, de Claudio Magris, traduzido por Maurício Santana Dias.

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