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Documentos e croqui da exposição refutam tese de que o cientista teria cometido suicídio. | eba/pp/DIVULGAÇÃO
Documentos e croqui da exposição refutam tese de que o cientista teria cometido suicídio.| Foto: eba/pp/DIVULGAÇÃO

Cada palmo acima do chão era um conquista da humanidade naqueles primeiros anos de século 20. Santo Dumont, primeiro, colocou sua Ave de Rapina entre 2 e 3 metros de altura, por uma distância de 60 metros, surpreendendo as testemunhas do Campo de Bagatelle, em Paris, naquele 23 de outubro de 1906. Poucos dias depois, estaria a impressionantes 6 metros acima da multidão que o aplaudia por seus 220 metros de distância. O homem começava a levantar voo.

Até chegar aos 11 mil metros das aeronaves de hoje, em altitude de cruzeiro, boa parte da humanidade, a que não acredita na versão do pioneirismo dos irmãos Wright, cristalizaria a figura de Alberto Santos Dumont (1873-1932) como a do inventor do avião. Uma condecoração tão justa quanto limitadora. Dumont, um dos personagens mais ricos na história de seu país, foi maior do que o próprio projeto que fez sair do solo. Desde os primeiros anos de 1900, esse mineiro da cidade de Palmira, atual Santos Dumont, investia em ciência, tinha olhos de designer e garras de empreendedor. O avião foi só a mágica que seu visionarismo materializou.

Uma exposição gratuita que começa neste sábado (26), no Itaú Cultural, em São Paulo, dá um grande passo para apresentar esse cientista e inventor de forma mais abrangente. Santos Dumont na Coleção Brasiliana Itaú lembra dos 110 anos do primeiro voo do 14 Bis para partir em viagem ao centro do aviador. “Queremos desempoeirar Santos Dumont. A ideia não era fazer só uma exposição com documentos e fotos”, diz Luciana Garbin, curadora da mostra. Serão mais de 400 peças da Coleção Brasiliana expostas pela primeira vez em ambientes com referências temporais.

“O título de pai da aviação, infelizmente, distanciou Santos Dumont dos brasileiros. Ele estava à frente do tempo, ganhou o mundo com a ciência na era em que o Brasil era um país agrícola

Luciana Garbin curadora da mostra

O público passa primeiro por um check-in, respondendo a duas perguntas sobre a imagem que ele tem de Santos Dumont. Ao final, depois de passar por todas as salas, ele responde às mesmas perguntas no check-out. A imersão começa nos anos de infância, na fazenda de Cabangu, no interior de Minas. A inspiração do sexto filho do engenheiro Henrique Dumont por aventuras fantásticas começa no livro “Viagens Extraordinárias”, de Julio Verne. Seu exemplar de cabeceira está na mostra. Muitas publicações levam o carimbo do leitor “Alberto Dumont”. O tempo passa e a mostra apresenta a ala “O Rei de Paris”. É para lá que o garoto de 18 anos segue para fazer história, depois de conseguir a emancipação do pai. “O título de pai da aviação, infelizmente, distanciou Santos Dumont dos brasileiros. Ele estava à frente do tempo, ganhou o mundo com a ciência na era em que o Brasil era um país agrícola”, diz Luciana.

Apesar de ter produzido fatos para sentir-se no centro do mundo, Dumont conseguia ver o outro com sensibilidade e diletantismo. Ao vencer o prêmio Deutsch em 1901, contornando a Torre Eiffel com o dirigível n.º 6, dividiu a quantia em dinheiro que recebeu pela conquista em duas partes: metade para seus mecânicos, metade para os pobres. Quando eclodiu a 1ª Grande Guerra, ofereceu sua casa e seu automóvel às forças armadas francesas. A volta de Dumont ao Brasil ganha outra seção, assim como as homenagens a ele depois da morte.

Invenções sem relevância

Além de máquinas voadoras, Alberto Santos Dumont criou objetos que a humanidade consideraria bem menos importantes. Alguns deles estarão expostos no Itaú Cultural .

Um lançador de boias para salvar vidas no mar é um deles. Alguns depoimentos diziam que o instrumento, uma espécie de catapulta que lançava a boia em direção ao afogado em potencial, teria conseguido evitar dois afogamentos.

O conversor marciano é outra das peças que levaria seu criador à falência se ele não tivesse se preocupado com objetos mais relevantes. Trata-se de um equipamento de propulsão acoplado nas costas do esquiador que deseja se movimentar na neve.

Santos Dumont transporta Demoiselle, um dos modelos de avião que desenvolveu. Exposição terá réplica.mlm/EJ/-

As pequenas invenções de Santos Dumont são detalhes curiosos perto das réplicas de seus objetos voadores. A maior delas é a reprodução da Demoiselle, considerado por muitos o melhor projeto concebido pelo inventor. “As pessoas falam muito do 14 Bis, mas a Demoiselle se tornou sua invenção mais estável”, conta Marcos Cuzziol, estudioso do assunto e diretor de inovação do Itaú Cultural.

A réplica da bela Demoiselle, de 5,5 metros de envergadura por 6 metros de comprimento, é uma das emoções na experiência proposta pela mostra. “Antes dela, os protótipos apareciam todos com a cauda na frente, por causa de um acidente com o planador de um inventor que usava a cauda atrás. A Demoiselle deu mais estabilidade para as aeronaves”, diz Cuzziol.

Desapego material

Santos Dumont, em mais um traço de desapego material, tornou disponível para o mundo os desenhos de sua obra-prima, sem exigir nenhum pagamento de royalties para quem quisesse se aventurar na criação de réplicas. Uma revista norte-americana publicou as plantas e muitos protótipos começaram a surgir inspirados em seus estudos.

Outro dos documentos importantes selecionados da Coleção Brasiliana é um desenho de protótipo feito por Santos Dumont um mês e cinco dias antes de sua morte.

Uma versão conta que o aviador teria se enforcado em 1932, aos 59 anos de idade, depois de avistar aviões em combate nos céus do Guarujá em plena Revolução Constitucionalista. No atestado de óbito, no entanto, assinado pelos legistas Roberto Catunda e Ângelo Esmolari, consta como causa da morte um ataque cardíaco.

O desenho abre uma interpretação interessante, que vai contra a tese de suicídio.

Dumont poderia não estar deprimido nem longe das criações que haviam marcado sua vida. O fato é que permanecem nebulosos os motivos que teriam levado o aviador a se enforcar, como disseram as camareiras que acharam seu corpo no Guarujá. A visão dos aviões de combate o levando ao desespero pode ser uma cena de final de filme comovente, mas não é real. Santos Dumont já tinha sua glória quando eles surgiram no horizonte.

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