
Todo mundo conhece um pouco da trajetória da música brasileira que vai de Luiz Gonzaga a Ivete Sangalo, passando por medalhões e estrelas como Roberto Carlos, Maria Bethânia, Chitãozinho & Xororó, Xuxa, Os Paralamas do Sucesso, Raça Negra, Charlie Brown Jr. e Tribalistas. Mas há uma história paralela, protagonizada por artistas que correram por fora do circuito do rádio, televisão e múltiplos discos de platina, que ainda precisa ser melhor contada.
É o que pretende fazer o documentário “O Outro Lado do Disco”, cuja segunda parte o Canal Brasil exibe neste domingo (12), às 21h30 (o primeiro de quatro episódios foi ao ar no domingo passado e pode ser visto na página do canal no site Globosat Play).
Mais de 40 nomes de gravadoras independentes atuantes desde o fim dos anos 1970 foram ouvidos para mapear este cenário alternativo, que tentou dar conta da crescente produção da música brasileira que o chamado “mainstream” não comportou. O documentário propõe uma história do mercado fonográfico brasileiro do ponto de vista destes “agitadores culturais”.
“A história das ‘majores’ está mais ou menos contada. Mas tem muita coisa legal no mundo independente que sempre ficou à margem”, diz o diretor da série, Rodrigo Lariú – que também é dono do selo carioca de rock independente Midsummer Madness. “Não é uma questão de colocar os independentes contra ‘majors’. Mas, como um cara apaixonado por música, eu ficava revoltado por não darem a devida atenção a artistas que eu considerava incríveis. Sempre encontrei gênios da raça mais nas independentes do que nas majors”, opina.
O documentário segue uma linha mais ou menos cronológica. A primeira parte, exibida no domingo passado, traz depoimentos do pianista Antonio Adolfo, que, depois de várias negativas de gravadoras, decidiu bancar seu LP em 1977. O disco, batizado de “Feito em Casa”, é citado como um dos pioneiros da autoprodução.
“Na verdade, os verdadeiros pioneiros são Chiquinha Gonzaga [1847-1935] e a Casa Edison [que começou a lançar gravações no Rio de Janeiro em 1902]. Mas é o final da década de 1970, quando acontecem os principais movimentos de surgimento e de crescimento de um mercado independente, que tem uma correlação maior com o que a gente vive hoje”, explica Lariú.
É nesta época que surge a gravadora Kuarup, que lançaria trabalhos de nomes como Xangai, Paulo Moura , Pena branca e Xavantinho e Sivuca.
Anos depois, uma geração de músicos de São Paulo pôde fazer suas gravações e vender alguns discos por meio do selo Lira Paulistana – que lançou Itamar Assumpção, Premê, Arrigo Barnabé e toda a Vanguarda Paulista. O selo chegou a ser distribuído pela Continental, gravadora independente que chegou ao porte de major no Brasil e que tem sua história contada por Kid Vinil e por Wilson Souto, que trabalharam lá. Também nos anos 1980, vem à tona a pequena Eldorado, que chegou a lançar o “Swing da Cor” de Daniela Mercury; e Luiz Calanca, dono da loja Baratos e Afins, dá início a um movimento de criação de selos na hoje famosa Galeria do Rock, em São Paulo, para lançar os primeiros trabalhos de punk rock que major nenhuma entendia.
“O primeiro episódio trata da galera vendo a desatenção das grandes gravadoras e resolvendo meter a mão na massa”, resume Lariú.
O capítulo seguinte vai tratar da “explosão” de selos independentes ligados a grandes gravadoras nos anos 1990 – tendência que lançaria bandas como Raimundos. Os seguintes já abordam a famosa crise no mercado fonográfico com a popularização do mp3 nos anos 2000, que, por outro lado, acabou trazendo novas oportunidades para gravadoras independentes como Trama e SomZoom (no Ceará). E o quarto e último episódio apresenta modelos alternativos recentes como o Laboratório Fantasma, do rapper Emicida, em uma época em que a postura de “do it yourself” tornou as gravadoras prescindíveis, mas que ainda está em redefinição.
“Foi sensacional falar com todas essas pessoas [para o documentário]. Você acha que sabe sobre o meio independente, mas, quando começa a conversar, escuta muita coisa em que jamais havia pensado”, diz o diretor. “Espero que as pessoas, ao assistirem, descubram a mesma coisa.”



