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A privatização da antiga Vale do Rio Doce, hoje chamada apenas de Vale, foi motivo de muitos protestos e gerou um plebiscito popular em 2007 | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
A privatização da antiga Vale do Rio Doce, hoje chamada apenas de Vale, foi motivo de muitos protestos e gerou um plebiscito popular em 2007| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Você é um liberal?

Os liberais podem discordar em muitos detalhes, mas defendem alguns aspectos fundamentais. Veja se você concorda com eles:

- A liberdade individual é um valor básico. Cada pessoa tem o direito de definir o que quer fazer da vida, que profissão adotar, o que estudar, com que gastar o salário e assim por diante.

- O poder do Estado precisa ser limitado e controlado para que ele não restrinja as liberdades individuais. E ele precisa prestar contas do que faz.

- O cumprimento da lei também é importante para garantir a liberdade, já que a sociedade consegue chegar a um consenso sobre as normas que devem reger a vida de todos, sem exceção.

- Todos são iguais perante a lei e têm resguardado o direito à propriedade.

- Os mercados podem ter supervisão do Estado para que atuem com responsabilidade, mas em geral devem funcionar sem interferência.

- Podem ser criados instrumentos para equalizar as oportunidades dentro da sociedade e para ajudar os membros que não são bem-sucedidos. Mas nada que acabe com a recompensa por mérito.

O liberalismo no Brasil nunca teve seu grande momento, apesar de ter exercido uma influência forte na doutrina legal do país. Na política, foram mais de 60 anos de administração imperial permeável aos interesses de uma pequena oligarquia que também conseguiu manejar o funcionamento da República Velha. Em seguida, veio uma revolução populista sucedida por uma ditadura, 20 anos de democracia conturbada, outros 20 de ditadura e, enfim, a democracia. Assim, a experiência brasileira como democracia liberal não é das mais longas.

Na economia, a experiência liberal é conflitante. No início do Império, a ligação com a Inglaterra fez com que o país adotasse a abertura comercial e um sistema legal que permitia a livre iniciativa. Foi nesse contexto, por exemplo, que o barão de Mauá formou sua fortuna e se transformou no primeiro grande empresário do país. "Mas o sistema político não estava de acordo com a emergência de uma nova classe para disputar o poder. Tanto que o barão de Mauá era visto como uma ameaça e teve a atuação minada pelo Estado", afirma Wilson Maske, professor de História do Brasil da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

A política brasileira do século 19 foi amplamente dominada por proprietários rurais e tinha uma tendência conservadora, por mais que tenha existido um partido liberal durante décadas. Não por acaso o país demorou para acabar com a escravidão e teve no café o centro da política econômica por quase um século. "Os pactos da República Velha para controlar a vida pública e para influenciar o mercado de café ficavam longe de qualquer filosofia liberal", comenta Maske. Ao invés da democracia representativa de cunho liberal, o país foi conduzido por uma ideologia positivista que acreditava ser o Estado uma máquina regulamentadora perfeita.

Ao fim da República Velha, o intervencionismo ganhou ainda mais músculos. Tendência que se consolida com a criação de empresas estatais de base, como a Siderúrgica Nacional e a Petrobras, já no segundo governo Vargas. Assim como outros países latino-americanos, o Brasil adotou a linha de pensamento criada na Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), onde o economista argentino Raúl Prebisch criou a base teórica para que os governos locais buscassem a industrialização como política de Estado.

Com o governo militar, a partir de 1964, economistas liberais como Mário Henrique Simonsen e Roberto Campos, chegaram perto do poder. "Foi uma contradição grande, porque a ditadura não era liberal nem na política, nem na economia. Eles ajudaram a reformar bancos, a abrir o setor financeiro, mas a intervenção continuava como ferramenta de desenvolvimentismo", comenta o cientista político Reginaldo Moraes, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Assim, o liberalismo passou a ser associado a forças políticas de direita.

"O liberalismo no Brasil foi marcadamente conservador. No início, em grande medida por ter se aproximado de uma elite patrimonial que via como privada a coisa pública", diz o cientista político Sérgio Cândido de Mello, professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM). E, no regime militar, por se aproximar de um governo não-democrático. "O capitalismo no Brasil acabou se assentando sobre uma lógica do século 19, com instituições inadequadas", resume o economista Christy Ganzert Pato, professor da PUC-SP e secretário da Sociedade Brasileira de Economia Política.

O período de maior influência liberal no Brasil foi justamente nos anos 90, quando as reformas ocorridas no mundo rico se espalharam pelo globo. As privatizações, iniciadas no governo Fernando Collor de Mello, chegaram ao auge no governo Fernando Henrique Cardoso. Em pouco mais de uma década, acabou o monopólio na exploração de petróleo, a ultrapassada lei de informática foi revista, o investimento estrangeiro aumentou e houve uma explosão no mercado de capitais. Não foi o suficiente para que a estratégia liberal ganhasse defensores, como demonstrou Geraldo Alckmin, candidato do PSDB à Presidência em 2006, ao evitar qualquer pergunta que envolvesse o tema das privatizações. "O liberalismo progressista, desvinculado do patrimonialista, ainda não tem partido no Brasil", aponta Cândido de Mello, da UEM.

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