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Interpretação contida de Miranda Otto contrasta com a espontaneidade de Gloria Pires | Divulgação
Interpretação contida de Miranda Otto contrasta com a espontaneidade de Gloria Pires| Foto: Divulgação

Flores Raras, novo longa-metragem de Bruno Barreto que estreou na última sexta-feira em circuito nacional, não é bem um filme romântico, apesar de contar a história de uma grande paixão. É muito mais uma obra sobre a perda e o desencanto (veja o serviço completo no Guia Gazeta do Povo).

Em 1951, a poeta norte-americana Elizabeth Bishop (1911-1979), vivida pela atriz australiana Miranda Otto (da trilogia O Senhor dos Anéis) viajava pelo mundo em uma jornada existencial: atormentada e alcoólatra, buscava um sentido na vida. Desembarcou no Rio de Janeiro para uma breve escala de poucos dias. Acabou ficando por mais de 15 anos anos por causa de uma grande paixão: a arquiteta e paisagista Lota de Macedo Soares (1910-1967).

A brasileira, que na época vivia um relacionamento com Mary (Tracy Middendorf), ex-colega de Elizabeth dos tempos de universidade, se encantou com a poeta, que exalava melancolia – ela havia perdido o pai ainda bebê e a mãe tinha sido confinada a um hospital psiquiátrico quando a menina tinha apenas cinco anos.

A força de Lota, legítima representante da elite brasileira, rica e autoritária, porém sedutora e, principalmente, capaz de protegê-la, conquistou Elizabeth, que decidiu ficar, mudando-se para Petrópolis, na Serra Fluminense.

Com sobriedade e elegância, Flores Raras conta a história dessa grande, porém atribulada paixão. Tanto Gloria Pires quanto Miranda Otto estão muito à vontade nas cenas de amor, sensuais, ainda que pudicas em certa medida, talvez para se tornarem mais palatáveis.

É interessante ver o contraste entre a interpretação contida, muito técnica e detalhista de Miranda, e a espontaneidade bem mais orgânica de Gloria. Sua Lota é complexa: em público, se apresenta de forma assertiva, com uma performance de gênero que costumamos identificar, superficialmente, como masculina. A delicadeza nela aflora nos momentos de intimidade, longe dos olhares dos outros e mais ao alcance do toque de Elizabeth, uma figura errática, ao mesmo tempo tímida e frágil, mas capaz de atos de enorme coragem. Como o discurso que profere logo após o Golpe de 1964, quando em um banquete em sua homenagem, ela acusa os brasileiros de serem excessivos em suas emoções, mas covardes na hora de tomar atitudes diante de situações realmente importantes.

Um dos méritos de Flores Raras é, justamente, dialogar relativamente bem com o pano de fundo histórico. O Brasil, mais do que um paraíso exótico, é retratado como uma terra de contrastes, onde os ricos, como Lota, podem tudo: explodir montanhas para construir casas particulares, comprar bebês para adoção, entre outros atos vistos com estranheza através do olhar sensível de Elizabeth, cuja partida é sempre uma questão de tempo. Embalado pela bossa nova, o país mergulha em estado de exceção, sob o comando da ditadura após 1964 – Lota era contrária às ideias socialistas de João Goulart e partidária da UDN de Carlos Lacerda, que ficou do lado dos militares. É o começo do fim para Elizabeth. Um desencanto que terá desfecho trágico. GGG

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