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Semaninha abençoada. Começou com o rock negro-americano/branco-inglês dos Rolling Stones e passou pelo pacote de boas causas e boas canções do U2. Mas, da delícia dos dois megaconcertos, ficou na boca, lá no fim, um gosto amargo de celebração do passado, que se acentuou quando comparado ao sabor do último show estrangeiro destes dias. A banda escocesa Franz Ferdinand, que já havia aberto para o U2 em São Paulo, fez o Circo Voador tremer nesta quinta-feira mostrando um som que, aí está a questão, faz diferença hoje, em 2006 - assim como os Stones fizeram nos 60/70 e U2 fez nos 80/90.

Com todo respeito a Mick e a Bono, há muito mais energia criadora liberada por um grupo que está remando para o topo de sua onda, em vez de estar olhando a espuma que ficou para trás e lembrando suas manobras. Ainda mais num palco como o da lona da Lapa - cuja vocação é, em seus melhores momentos, dar mais importância ao presente. Ali fez sentido, então, a provocação da camiseta erguida pelo fã durante a apresentação do Franz Ferdinand: "Who's U2?" ("Quem é o U2?").

Duas horas antes do show, quando muitos fãs já se espremiam para conseguir um lugar perto do palco, a noite anunciava o que seria. Saindo das caixas, entre bandas populares desde sempre entre o público indie (Pixies, por exemplo), música contemporânea com um pé nos mesmos anos 80 onde bebe o Franz Ferdinand - nada a ver com Balão Mágico ou Gretchen, sim com Talking Heads e pós-punk. Ouviu-se grupos como The Killers, Maximo Park e Reel Big Fish (este, com uma ótima versão ska para "Take on me", sucesso do A-Ha).

O show estava marcado para às 23h. Com uma pontualidade escocesa, raramente (talvez nunca) vista no Circo Voador, o Franz Ferdinand abriu o show às 23h06 com "This boy", emendando logo depois "Come on home" e o hit underground "Do you want to". O público se comportava como um mar revolto, jogando de um lado para o outro e atendendo de imediato ao apelo dançante da banda. Um apelo ainda mais irresistível por não ter nada de óbvio, com seu suingue matemático, duro, do bumbo marcando na maioria das vezes o tempo forte de forma reta, combinando com riffs de guitarra também diretos. Mas havia nuances nas caixas e contratempos (boa parte da personalidade da banda está na bateria), no baixo e na mão direita dos guitarristas. A platéia entendeu e, carnavalesca, saudou os escoceses com confetes e serpentinas. Genial.

Verão à parte, muito do calor que se sentia sob a lona vinha do público, que pulou sem parar e cantou junto do início ao fim, num coro que chegou a surpreender a banda em ''Auf achse'' - por instantes, a platéia tomou a canção para si perante um vocalista embasbacado. Do palco a resposta era na mesma altura. Alex Kapranos (voz, guitarra), Nick McCarthy (guitarra, vocais), Bob Hardy (baixo) e Paul Thomson (bateria) suavam em bicas em suas camisas sociais, mas não paravam um instante. Kapranos disparou sinceros ''obrigados'', mas nada das protocolares (e, ok, simpáticas) frases em português lidas em teleprompter. O cantor disse também que o tinham avisado que tocar no Rio era especial. ''E realmente está sendo'', concluiu - a banda tocou por um cachê menor que o de costume apenas pela vontade de estar na cidade.

O repertório seguiu com músicas de seus dois discos, "Franz Ferdinand" e "You could have it so much better". Nos discos e no palco, o aspecto festivo e dançante das canções combina-se (nas letras e arranjos) com uma força punk contemporânea, sem o romantismo ingênuo dos originais. Não há uma luta declarada contra o sistema, mas sim uma postura crítica sagaz com relação a ele, com humor e inteligência. Nessa linha, a banda se permite dizer versos contestadores como "O que há de errado num pouco de destruição?" ("Fallen"), "Nós só trabalhamos quando precisamos de dinheiro" ("Jacqueline") e "Há um fogo em mim/ Este fogo está fora de controle/ Eu vou queimar esta cidade" (na incendiária, em todos os sentidos, "This fire").

E foi ameaçando pôr fogo na cidade que o Franz Ferdinand encerrou o show, 1h32m depois de ter começado. Um show enxuto como a música da banda, o que marca mais uma diferença para os megaconcertos dos medalhões, geralmente com cerca de 2h. O cenário também é de outra proporção. Nada de telões gigantescos, apenas um pano preto com um "FF" estampado no fundo do palco. Não deixa de ser significativo. Quem tem videocassete, DVD ou CD-player em casa sabe o que isso significa. Fast-Forward. Para frente e rápido, em bom português.

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