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 | Felipe Lima / Gazeta do Povo
| Foto: Felipe Lima / Gazeta do Povo

Não sei o que andam ensinando nas escolas, mas me parece que as crianças estão mais espertas. Não se contentam em usar o controle remoto melhor que os pais: estão ocupando espaço em discussões normalmente reservadas a adultos, daqueles bem sisudos e compenetrados.

Veja o tema do fim dos jornais. A Giulia, de seis anos, está ligadíssima nele (pronuncia-se "Di-u-lia", ela faz questão de frisar). Provavelmente nunca ouviu falar no assunto. Ainda junta "po" com "ro" para ler "promoção" da janela do ônibus, mas, de alguma forma, intui que as coisas estão mudando.

Quando me perguntou onde eu trabalhava e ouviu "no jornal", seus olhinhos brilharam. Claro que ela sabia o que era, ora essa. Ela própria nunca leu, mas o avô, sim!

Dali por diante foi uma sabatina. Sem assessor de imprensa nem nada, armou uma entrevista exclusiva e veio para cima de mim. Ela de lado e eu de frente, sem poder encará-la, para evitar ter uma enxaqueca no coletivo. "Não é só você que escreve o jornal. Quantas pessoas tem lá?" "E se começar a diminuir, diminuir o número de pessoas, o que acontece?" "Quando vocês vão filmar, é a mesma pessoa que escreve?" "Por que vocês não aproveitam o que sai na televisão?"

Concluí que as escolas estão preparando muito bem para os dilemas do futuro. Outra possibilidade é que nossos receios de adulto é que estão infantilizados.

Quer dizer, preocupar-se com o fim da leitura de notícias em papel e com o enxugamento das redações como únicas questões relacionadas ao universo da informação é um reducionismo.

Para os norte-americanos Bill Kovach e Tom Rosenstiel, autores de Os Elementos do Jornalismo (Geração Editorial), o que importa mesmo é sugar o leitor para fora do crescente individualismo, propondo agendas de debate social numa roupagem atraente que contribua para o desenvolvimento. As palavras-chave não seriam "demissões" e "digitalização", e sim "verdade", "independência", "consciência" e "compromisso público".

Como convencer um leitor de scraps a acompanhar um artigo inteiro? Será que longos textos devem ser diminuídos, acompanhando a tendência de rapidez e dinamismo? E, muito importante: como manter o negócio lucrativo, ou pelo menos viável?

Muita gente vaticina o fim do jornal impresso com a migração de toda informação para plataformas digitais. Outros tantos consideram que o leitor sempre buscará o jornal para análises mais aprofundadas – afinal, se quando crianças estamos tão espertos, será que nos contentaremos com pílulas de informação quando adultos?

Enfim, resta desejar que mais pessoas nasçam com a centelha da curiosidade de Giulia. Ninguém sabe como será a configuração das redações daqui a 20 anos, mas, provavelmente, a garota estará lá dentro, incansável repórter.

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