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No Godzilla original, de 1954, o monstro pode ser interpretado como uma alegoria para a ameaça nuclear | Divulgação
No Godzilla original, de 1954, o monstro pode ser interpretado como uma alegoria para a ameaça nuclear| Foto: Divulgação
  • Na nova versão, que estreia quinta-feira, fãs já identificam elementos da primeira versão
  • Lucas Stuvok M. Lima, estudante de Cinema

O estudante de Cinema carioca Lucas Stuvok M. Lima tinha 5 anos quando, em 1998, descobriu a existência de Godzilla, pouco antes da estreia no Brasil do blockbuster hollywoodiano do diretor alemão Roland Emmerich (de Independence Day). O pai do garoto, percebendo o interesse do filho pelo gigantesco dinossauro mutante tratou logo de colocar o guri a par dos antecedentes do lagartão. "Ele disse que, antes de eu ver o filme no cinema, eu deveria conhecer os clássicos do Rei dos Monstros. Conseguiu em uma locadora o primeiro filme, de 1954, e o último longa japonês lançado na época, Godzilla vs. Destoroyah, de 1995."

Ao ver os dois filmes, Lucas ficou, como ele mesmo conta, "apaixonado" pela criatura, sem compreender direito as origens do personagem (leia texto nesta página), uma das formas encontradas pelos japoneses para representar, enquanto alegoria, o medo das armas nucleares, após o rastro de destruição deixado pelas bombas atômicas lançadas, em 1945, pelos norte-americanos nas cidades de Hiroshima e Nagasaki. Sem falar do clima de insegurança mundial, estabelecido a partir da Guerra Fria – jogo de forças entabulado pelos Estados Unidos e União Soviética após o término da Segunda Guerra Mundial.

"Eu era apenas uma criança que não fazia a menor ideia da história. Ao longo dos anos, no entanto, com a chegada da internet, eu consegui pesquisar mais sobre os filmes e também consegui assistir aos filmes da franquia. Sim! Eu assisti a todos os 29!", admite Lucas, que conta nos dedos os dias para a estreia, na próxima quinta-feira, de Godzilla, nova encarnação do monstro, desta vez dirigida pelo cineasta britânico Gareth Edwards, com Bryan Cranston, Juliette Binoche, Sally Hawkins e Ken Watanabe no elenco.

Lovecraft

A euforia é tanta que Lucas criou, no Facebook, a página Godzilla – Brasil. "Eu postava, no meu perfil pessoal, muitas fotos e vídeos relacionados ao ‘Rei dos Monstros’ e então pensei: ‘Por que devo limitar essas informações sobre Godzilla apenas a meus amigos? Criando uma fanpage, eu posso apresentar o personagem a mais pessoas."

A excitação de Lucas, que é aluno da Universidade Estácio de Sá no Rio de Janeiro e sonha se tornar diretor, é compartilhada por Yuri Azevedo Riesemberg Martins, que, tal qual o fã carioca, também tem 20 anos e também é estudante Cinema, na Faculdade de Artes do Paraná (FAP), em Curitiba.

Os pontos em comum entre os dois aficionados não param por aí: ambos se interessaram pelo personagem a partir do longa de Emmerich, mas hoje deploram o filme, que apresentou ao mundo uma encarnação bem distorcida da criatura, mais semelhante a "um tiranossauro com espinhos nas costas", como diz Lucas, do que com o monstrão original.

Para Yuri, que aprofundou seu interesse durante o tempo em que viveu nos Estados Unidos, dos 11 aos 18 anos, quando teve a oportunidade de assistir a diferentes filmes da franquia, Godzilla é bem mais do que aparenta. "Quando eu era criança, o que me fascinava era ver o monstro, gigantesco, destruindo os prédios. Hoje vejo que é bem mais do que isso", diz o estudante, que gostaria de, no futuro, fazer filmes de ficção científica, sobre realidades virtuais e universos paralelos, mas sem esquecer da vida real.

O estudante vê no personagem e na sua longevidade, ecos do horror presente na obra de um de seus escritores favoritos, o norte-americano H. P. Lovecraft (1890-1937), cuja literatura era norteada por um princípio que o autor chamava de "Cosmicismo", segundo o qual o universo é infinitamente hostil aos interesses do homem. Isso explicaria tanto a indestrutibilidade de Godzilla frente aos esforços mais extremos dos humanos, mas também a sua longevidade do personagem no imaginário da cultura pop.

A ótima repercussão dos trailers e do que já foi escrito e mostrado do novo longa-metragem enche os fãs de esperança. O filme de 1998 trazia um Godzilla que não tinha nenhuma das características do clássico Rei dos Monstros incorporadas. "O novo vai aparentemente vai resolver esses problemas apresentando uma versão bem mais realista e também ampliando o universo criado pela Toho [produtora japonesa do longa original] em 1954. Por falar nisso, algo que chamou a atenção dos fãs foi que o filme vai ser uma espécie de sequência do primeiro longa. É mencionado no trailer que ‘Em 1954, acordamos algo...’ e essa foi uma frase que me deixou arrepiado e pensando ‘Sim! Esse é o Godzilla!’", comemora Lucas, entusiasmado.

Um clássico subversivo

Rodolfo Stancki

A Sessão da Tarde, da Rede Globo, sepultou o imaginário dos novos clássicos do cinema para a geração que viveu a infância a e adolescência nos anos 90. Porém, era o Cinema em Casa, do SBT, que exibia um catálogo de produções dignas do termo subcultura. Na época, o canal de Silvio Santos apresentava filmes de horror e outros títulos subversivos. No 12 havia romance, no quatro havia monstros.

Entre as obras exibidas no Cinema em Casa estavam alguns Godzillas, frutos da segunda leva de produções com o personagem, iniciada em 1985. Nas tramas, o gigante nuclear destruía Tóquio como se fosse isopor – o que de fato era – e se metia em enormes embates com outras criaturas que poderiam ser até maiores do que eles. Um prato cheio para jovens com imaginação fértil.

Nessas produções, os japoneses pareciam lidar com o personagem de maneira séria, usando efeitos visuais semelhantes aos do seriado Power Rangers. Isso dava uma dimensão de dramaticidade diferente da vista nos filmes americanos. A destruição em Godzilla sempre foi mostrada com peso, sentida com mortes e geralmente sem a glorificação do herói ao final (diferentemente de Jurassic Park, um dos similares ocidentais).

Reza a lenda que o cineasta Ishirô Honda estava tão impressionado com os efeitos nucleares de Hiroshima e Nagasaki que precisou mostrar a força dessa monstruosidade humana em um filme. Inspirado em sucessos como King Kong (1933) e The Creature from 20.000 Fathoms (1953), ele desenvolveu o roteiro do primeiro Godzilla, de 1954.

O original, indisponível no mercado home vídeo do Brasil, passa boa parte da narrativa mostrando a fúria de uma criatura atômica, que declara guerra contra a humanidade. Tudo celebrado com uma trilha sonora bastante perturbadora, que inclui um coro de crianças desabrigadas em um convento. Posteriormente, o personagem passou de vilão a herói, quando defendeu o Japão de outros monstros como King Ghidorah e Gigan.

Parte do fascínio criado por Godzilla está na insistência dos produtores e no carinho do público que garantiram 28 obras que completam a mitologia do personagem. É mais do que o número de títulos da série James Bond, que lançou 22 filmes até hoje. Há um fiasco de refilmagem americana, dirigida por Roland Emmerich, em 1998. Sem alma da série e com uma trama paupérrima, o cineasta alemão não conseguiu reproduzir o sucesso japonês. A expectativa dos fãs é que o novo filme consiga.

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