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Zodíaco leva ao cinema a história de um assassino serial que fez tremer a população de São Francisco, na Califórnia, há quase quatro décadas. Numa cena do filme, em exibição no Brasil desde ontem, Melanie pergunta ao marido, o cartunista Robert Graysmith – obcecado pelo mistério em torno do criminoso –, por que ele não desiste de investigar o caso. "Eu... Eu preciso saber quem ele é. Eu preciso estar lá, de pé, e olhar nos olhos dele e preciso saber que é ele", gagueja o rapaz.

A resposta pode não ser suficiente para justificar o abandono da mulher e dos filhos, e mais a demissão de um dos melhores jornais da Costa Oeste dos EUA. Mas diz muito sobre a influência que um crime sem solução pode exercer naqueles que têm contato com ele. Graysmith existe, tem 64 anos e levou mais de dez para conseguir publicar Zodíaco, um diário da investigação que bancou por conta própria a fim de descobrir a identidade de um serial killer que engambelou a polícia e a imprensa californianas.

Diante das evidências dos crimes e das cartas enviadas pelo matador, Graysmith reagiu, em alguma medida, tal qual um leitor de romances policiais. O mistério, somado à violência e à morbidez dos fatos, conseguiram mobilizá-lo ao ponto de não pensar em outra coisa.

O interesse nesse tipo de narrativa é suficiente para criar subgêneros no cinema e na literatura. A Livraria do Crime (www.livrariadocrime.com.br), cujo nome revela sua especialidade, tem uma sessão só sobre assassinos que, por definição, cometem uma seqüência de homicídios, intercalados por um intervalo de tempo, mirando vítimas que têm algo em comum e, com freqüência, deixam uma "assinatura" (sobretudo na forma como matam e lidam com seus alvos).

Ilana Casoy, autora de Serial Killer – Louco ou Cruel? (Madras), listou mais de cem títulos de livros e 130 de filmes que leu e viu relacionados ao assunto – e a compilação está longe de ser definitiva.

De acordo com Adriana de Freitas, doutora em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pesquisadora do gênero policial, o fascínio por esse tipo de ficção pode estar ligado a uma necessidade latente ao ser humano de eliminar o sofrimento causado pela incompreensão de uma questão qualquer.

"O temor frente ao desconhecido e o espanto produzido pela resolução de um enigma são traços das narrativas policiais pertinentes à própria psicologia humana", explica.

O Caderno G conversou com uma dúzia de pessoas ligadas ao chamado roman noir, ao teatro e ao cinema para tentar deslindar as preferências do público. Não demorou para um certo vienense aparecer na discussão.

"Como Freud ensina, o homem trava uma luta permanente contra seus instintos básicos, que ele chama de pulsões", afirma Rubem Mauro Machado, de O Executante (Record). "O fascínio que os grandes criminosos – entre eles os serial killers – provocam deriva, em grande parte, do fato de eles ousarem concretizar o que o nosso eu mais profundo, mais primário, mais animal, aspiraria também fazer."

Hannibal Lecter, cria do escritor Thomas Harris encarnada no cinema por Anthony Hopkins em O Silêncio dos Inocentes, é considerado por Ilana Casoy o retrato mais acurado que a ficção chegou a fazer de um psicopata. "Como alguém consegue liberar – a despeito dos outros e da vida em sociedade – o animal que existe dentro de si?", é a pergunta que Flávio Moreira da Costa (O Equilibrista do Arame Farpado) faz diante de um assassino ficcional ou não.

Miriam Mambrini, de O Crime Mais Cruel (Bom Texto), é uma das poucas mulheres a trabalhar com o gênero no Brasil. Para ela, um serial killer atinge o grau máximo da maldade e representa uma ameaça à vida e um lembrete dos piores suplícios. "Queremos penetrar nos seus mistérios, compreender suas razões, identificar pontos de contato com fantasias que, às vezes, nos assombram", acredita Miriam.

Esse gosto um tanto sádico e pervertido do público seria, nas palavras de Rafael Cardoso (Entre as Mulheres, Record), "o lado Nelson Rodrigues da humanidade". Para ele, a ficção seria uma forma de expiação de pecados, o lugar ideal para exorcizar demônios pessoais.

Há, evidente, aqueles não gostam desse tipo de história.

Joaquim Nogueira, ex-delegado de polícia e romancista (Informações Sobre a Vítima, Companhia das Letras), considera os assassinos em série esquemáticos, pelo menos os da ficção. "Tem sempre um cara pirado, seviciado na infância, esquizo, que sai matando todo mundo e, no fim do filme, sifu (sic)."

Fernando Molica, organizador do volume 50 Anos de Crimes, sobre reportagens policiais (recém-lançado pela Record), defende uma teoria ousada. "A lógica do assassino em série é misteriosa, ele não apenas comete crimes, ele constrói uma trama, desenvolve um enredo. Tentamos descobrir seus próximos passos a partir de suas ações anteriores", diz.

O serial killer seria então uma espécie de narrador bizarro, um contador de histórias com gosto por sangue.

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