• Carregando...
“Aqui no Brasil há todo o cinema formidável de Glauber Rocha, para mim, o melhor diretor da América Latina de todos os tempos” |
“Aqui no Brasil há todo o cinema formidável de Glauber Rocha, para mim, o melhor diretor da América Latina de todos os tempos”| Foto:

Entrevista com o cineasta Ciro Durán Na quarta-feira (8), a platéia da 3ª Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul assistiu, na retrospectiva histórica, ao documentário colombiano Delinqüente (Gamin, 1978), de Ciro Durán. O diretor, impressionado com a explosão demográfica em Bogotá, que impulsionou meninos e meninas a tentar a sobrevivência nas ruas, se aliou à Cruz Vermelha e entrevistou 20 crianças em situação de risco social.

Atualmente, Durán se dedica ao cinema de ficção e "descansa" das obras engajadas que marcaram sua carreira. "O artista deve ser independente para ser mais criativo", defende, nesta entrevista à Gazeta do Povo.

Gazeta do Povo – Por que se tornou documentarista?

Ciro Durán – Eu comecei como documentarista, mas queria fazer ficção. Acreditava que era melhor estar em contato com a realidade do meu país para, depois de conhecê-la, fazer ficção. Os meus filmes de ficção são todos baseados em fatos reais. Fiquei com essa maneira de trabalhar, quase como um antropólogo. Não voltei a fazer mais documentário.

Você se considera um cineasta preocupado com um compromisso político?

Fui. Até meu último filme, A Tomada da Embaixada (Colômbia, 2000), baseado em uma ocupação do movimento guerrilheiro 19 de abril (M-19), na embaixada da República Dominicana. Agora quero descansar. Vou fazer um projeto completamente diferente pela primeira vez em minha longa vida. É uma história de amor, na época da independência da Colômbia, 1815. Uma marquesa crioula (filha de espanhol nascida na América), viúva, de 30 anos, antes casada com um velho marquês, se apaixona por um jovem soldado espanhol de 20 anos. É uma história de amor proibida. Amor en Tiempos de Guerra é o nome provisório. É completamente diferente de tudo que fiz antes.

Você acredita que haja limites para a preocupação política ao fazer cinema, para impedir que o engajamento prejudique a qualidade do filme?

Pode prejudicar. Há um limite muito complicado. Historicamente, se pode estabelecer grandes exemplos de até onde chegar. Temos (o diretor italiano) Francesco Rosi, é o extremo mais perfeito do filme político, como Salvatore Giuliano e Le Mani sulla Cittá, era uma influência enorme em 1960, não somente na Europa, em 1968, também na revolução cubana. Nós, diretores de cinema, queríamos influir no desenvolvimento histórico. Aqui no Brasil há todo o cinema formidável de Glauber Rocha, para mim, o melhor diretor da América Latina de todos os tempos. O cinema que Cuba fazia em certos momentos era demasiadamente comprometido, quase estatal, dirigido por uma mensagem de ideologia do governo. Creio que isso é demasiado. O artista deve ser independente para ser mais criativo.

O que o levou a falar sobre o tema das crianças que roubam, mendigam ou se prostituem nas ruas em Delinqüentes?

Estive na Europa por muito tempo e quando voltei encontrei Bogotá como uma cidade que havia crescido desmesuradamente, como Curitiba ou São Paulo. A célula familiar havia explodido e as crianças, por causa da violência familiar, iam para as ruas. Fui assistir a um filme no cinema e vi que a tampa do esgoto estava aberta e de lá saía uma criança. Foi espantoso. Me dediquei a investigar por que as crianças moravam nesse lugar.

Como era a sua relação com essas crianças?

Foi muito complicada. Chegar a eles com uma câmera era impossível. A Cruz Vermelha juvenil tinha um programa de atender nos fins de semana às crianças com doenças em geral, entre elas, as venéreas, muito propagadas. Entrei para a Cruz Vermelha e estivemos seis meses atendendo aquelas crianças, era espantoso. Quando me aceitaram, pude tirar um gravador e falar com cem crianças, depois, escolhi 20 que me interessavam para o filme. Mostrei a câmera e me aceitaram, com uma equipe de filmagem muito reduzida, fiquei amigo deles. Segui muitos deles por cinco anos. Depois, não os encontrava mais, por questão de mobilidade – eles se movem muito rapidamente.

Seu posicionamento inicial, ao se aproximar do tema do filme, se modificou durante o processo?

Minha primeira aproximação foi humanitária. É que foi tão forte a primeira impressão de uma criança saindo do sistema de esgoto... não mudou muito. Mudou muito o meu conhecimento do submundo. Era uma visão muito cristã marxista a minha.

Ainda mantém essa visão?

Sim. Queremos ter na América Latina uma sociedade pós-capitalista, da qual vejo hoje a Noruega e os países nórdicos se aproximarem. Não por decreto, como em Cuba. Não sou cético, mas realista. Vamos todos fazer um capitalismo industrial, não mais selvagem, com o exemplo dos países nórdicos. Creio que isso foi bem entendido por Lula, melhor do que por Fidel Castro e muito melhor do que por Hugo Chávez. É uma questão de desenvolvimento industrial.

O cinema tem um papel nesse desenvolvimento?

Muito pouco. Nossa função como artista não é fazer política, mas fazer arte. Não podemos influir grande coisa, só um grãozinho de areia. Mas, eticamente, uma pessoa coloca um ponto de vista em um filme, um sentimento ético que tinha para mostrar.

Veja também
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]