• Carregando...

Uma frase já se tornou lugar-comum no Brasil: "Os jovens não gostam de ler". Ao mesmo tempo, livros das séries Crepúsculo e Harry Potter batem recordes de venda no país. A pesquisa Retratos da Leitura no Paraná, que aponta as duas obras como as mais lidas do público entre 10 e 17 anos, busca desvendar essa contradição.

De acordo com o levantamento, 77% dos paranaenses gostam de ler, número que sobe para 89% entre os estudantes. Escritor e professor do curso de Letras da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Paulo Venturelli avalia que o jovem até reconhece a importância da leitura, mas não a transforma em prática "porque a maioria já está traumatizada pelo trabalho que a escola faz".

É o caso de Letícia Carneiro, de 16 anos. No Colégio Estadual do Paraná, sua classe acaba de estudar Noite na Taverna, de Álvares de Azevedo (1831-1852), e a aluna relata o resultado: "Tem gente que falou que era horrível, que não presta para nada!".

A pesquisa mostra que a apreciação da leitura cai para 44% entre quem é obrigado a ler. "Obrigando a ler, a escola mata esse gosto", confirma Venturelli. "Dão livros que não interessam ao jovem".

Contemporâneos

Segundo ele, o foco inicial deveriam ser em autores contemporâneos, "que falam a nossa lingua­gem e sobre o nosso tempo"– por exemplo Lygia Bojunga e Bartolomeu Queirós –, para depois tocar em nomes como Azevedo, Machado de Assis e Jo­­sé de Alencar. "Os professores não fazem o papel de intermediação para que o estudante chegue a esse clássico e leia adequadamente."

E se esse primeiro contato com a literatura se desse com obras mais populares? "Não tenho preconceito algum", responde Venturelli. "Desde que estejam lendo, tudo bem. Pode ser uma abertura de caminho, mas não sei se isso continua."

Helena Rosa, aos 16 anos, é prova viva de que esse caminho pode ser percorrido. Há dois anos, ela devorou toda a série Sherlock Holmes, engatando o gosto pela leitura. "Comecei embaixo. Antes eu lia Harry Potter e adorava. Hoje penso: ‘Como eu pude ler isso e gostar?’. É uma obra tão superficial", diz ela, que tem em casa uma biblioteca de 400 livros.

Para Venturelli, a atitude da família, muito mais do que a da escola, é fundamental para incentivar as crianças a ler. Porém, o estímulo desse hábito pode surgir de maneira inesperada. "Aprendi a ler há três anos, trabalhando aqui", conta Danielle Ribeiro, 27 anos, recepcionista da Biblioteca Pública do Paraná. "As pessoas acham que sabem ler, mas não sabem. Têm que ler muito para compreender", diz.

Na hora do almoço, no ônibus e antes de dormir, Danielle dedica seu tempo a obras como A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, e ignora a justificativa dada por 57% dos entrevistados da pesquisa para não ler: a falta de tempo.

"Quem realmente quer ler vai ‘criar’ tempo, mas as pessoas chegam em casa e vão ver novela. Se dedicassem à leitura metade do tempo que ocupam com tevê, o Brasil seria outro", comenta Venturelli. Helena, cuja média é de quatro a cinco livros lidos por mês, leva essa história de "criar tempo" bem a sério: "Só não consegui ler andando, outro dia esbarrei em uma pessoa. Mas ainda vou adquirir essa prática."

Veja também
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]