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Herói da viola

Aos 48 anos, depois de mais de dez álbuns e centenas de apresentações em todo o país, o curitibano Luiz Rogério Gulin firma-se como um dos nomes mais importantes da música instrumental brasileira

Gulin: “Busco uma linguagem brasileira, um modo de tocar que traduza todas as nuances do nosso povo” | Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
Gulin: “Busco uma linguagem brasileira, um modo de tocar que traduza todas as nuances do nosso povo” (Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo)

As lendas fazem parte da história da música e dos grandes instrumentistas. No blues, é mais do que conhecida a necessidade de fazer um pacto, no qual o guitarrista troca, em uma encruzilhada, a alma por fama e habilidade.

Os violeiros brasileiros também têm as suas trajetórias envolvidas em mistérios.

O curitibano Luiz Rogério Gulin, 48 anos, conhece algumas dessas superstições. De São Paulo para cima, é tradição: para tocar bem a viola caipira, o sujeito precisa "agir".

Em uma noite de sexta-feira 13, o violeiro tem de caminhar até um cemitério, onde está enterrado um mestre do instrumento, e colocar as mãos por cima do muro. De repente, o espírito do violeiro poderá estalar os dedos das mãos do aspirante à arte do bem tocar e, a partir disso, as dez cordas da viola do aprendiz passariam a soar com muita bossa.

Outra dica seria pegar, com a mão direita, um filhote de cobra coral e o enrolar na própria mão esquerda.

Gulin tem conhecimento desses rituais, mas não fez nenhuma dessas mandingas.

O curitibano prefere, ao invés de pactos, simplesmente se dedicar ao instrumento. Ele estuda todos os dias. Há mais de três décadas.

Caminhos se bifurcam

Nesta semana, Gulin viaja para o interior de São Paulo na condição de convidado especial da 4.ª Violeira de Votorantim, um dos mais importantes eventos do universo da viola caipira.

Roberto Corrêa, um dos mestres do instrumento, é um entusiasta do curitibano: "Gulin é hoje um dos grandes nomes da viola no Brasil".

O curitibano que entrou no mundo da música "vendo" o irmão tocar violão poderia imaginar que, em 2010, seria um artista respeitado em âmbito nacional?

"A vida foi me levando", despista, entre uma risada e outro silêncio, os dois momentos que dão o tom da presença de Gulin quando ele não está com a viola nas mãos.

Longa estrada

Gulin compôs 70 músicas. Uma obra relativamente extensa, que chama a atenção pela polifonia e, apesar de ser executada na viola caipira, tem dicção rock-and-roll.

Ele reconhece que a sua pegada traz influências de guitarristas cultuados por roqueiros, como Chuck Berry, Keith Richards (The Rolling Stones) e David Gilmour (Pink Floyd).

Mas, confessa, foi o seu irmão Sérgio, que não é profissional da música, quem despertou nele, ainda menino, o desejo de tocar um instrumento de cordas.

No tempo em que era possível jogar futebol até nas ruas de Curitiba, e em que soltar pipa era esporte praticamente obrigatório para toda e qualquer criança, Gulin pensava que o seu futuro seria empunhar uma guitarra.

Na década de 1970, ele até montou uma banda, a Banco de Praça, com Paulinho Branco.

Mas, em 1978, Gulin conheceu a viola de dez cordas e sentiu um chamado.

Expressão

O acaso o levou a palcos de bares, a fazer trilha sonora para espetáculos de teatro e, como ele mesmo diz, a intuitivamente abrir os olhos em 1990. Ele abandonou a guitarra, para fazer da viola caipira o seu canal de expressão.

Gravou mais de dez álbuns, percorreu o Brasil ao lado de Guinga (violão) e viu, ouviu e se emocionou com o saxofonista Carlos Malta, um dos nomes mais expressivos da música instrumental brasileira, que já interpretou uma música de sua autoria.

Atualmente, Gulin tem três compromissos fixos.

É professor de viola caipira e violão no Conservatório de Música Popular Brasileira de Curitiba, e faz parte de dois conjuntos, o Viola Quebrada e o Terra Sonora.

Gulin não acredita nos pactos, mas guarda dentro de uma de suas violas um guizo de cobra cascavel, presente do amigo Pena Branca.

A única forma de adquirir o amuleto é ganhando-o. O guizo é como um rito de passagem e significa que Gulin deixou de ser apenas um músico para se tornar um herói da viola.

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