• Carregando...
Gulin: “Busco uma linguagem brasileira, um modo de tocar que traduza todas as nuances do nosso povo” | Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
Gulin: “Busco uma linguagem brasileira, um modo de tocar que traduza todas as nuances do nosso povo”| Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo

Gulin passo a passo

Músico curitibano construiu trajetória a partir de estudo continuado

Primeiros acordes

Gulin encantou-se com a música por causa de seu irmão, Sérgio. Mas também estudou violão clássico na Escola de Música e Belas Artes do Paraná (Embap) e teve aulas com Chico Melo e Norton Dudeque. Participou de oficinas e cursos, sobretudo com Roberto Gnatalli.

Cênicas

Fez trilhas, ao vivo, para montagens do grupo de teatro Filhos da Lua. Durante essas incursões, conheceria a atriz Edna, com quem casou.

Família musical

Gulin e Edna têm quatro filhos. Pedro, 18 anos, toca guitarra. Gabriel, 16, é contrabaixista e violonista. Victor, de 13, seguiu o exemplo paterno e abraçou a viola caipira. Estevão, 11, ainda não escolheu, mas o pai avisa, brincando, que até o final de ano o caçula precisa decidir qual instrumento irá tocar.

Muitos sons

Há dezenas de afinações possíveis para a viola caipira, e Gulin costuma usar três, uma em cada viola. São elas: cebolão (em ré/D), rio abaixo (em sol/G) e rio acima (si bemol/Bb).

Orgulho

Em 2004, foi finalista do premio Syngenta de Musica Instrumental de viola e, em 2005, classificou-se em segundo colocado.

Opinião - Marcio Renato dos Santos, repórter da Gazeta do Povo

A sutileza de um mestre

Quando Rogério Gulin toca a sua viola caipira, até parece que uma orquestra entrou em cena. Ou, então, que o que está soando é uma usina sonora. Aquelas duas mãos e as dez cordas daquele instrumento se dão muito bem.

Nas gravações ou ao vivo, Gulin tira sons que levam o ouvinte às origens do instrumento. A viola de dez cordas começou a ser utilizada em Portugal por menestréis, inicialmente nos séculos 14 e 15. Mas uma sonoridade um tanto espanhola, flamenca, ou oriental, também se faz notar.

Gulin bate com força nas cordas. Tem pegada de roqueiro. Uns diriam que ele mostra vontade. Outros poderão falar: "Mas que personalidade, hein?".

Ele começou com o violão, flertou com a guitarra e, diante de uma encruzilhada, da vida, dos tempos, fez a sua escolha. Diz que as dez cordas o chamaram.

Gulin é um maestro. Que outra palavra para dar conta de tantas vozes que saem de um único instrumento? Ele reconhece que tem o dom, mas se esforçou, muito, para refinar o que ganhou via loteria genética.

Vegetariano, até que parece que flutua ao caminhar. É silencioso.

Mas, de repente, emite uns sons: lá das profundezas do ser.

Entre sístole e diástole, tem noção de que tudo são movimentos, ora luz, ora escuro.

O herói da viola sabe que a arte nasce da vida.

As lendas fazem parte da história da música e dos grandes instrumentistas. No blues, é mais do que conhecida a necessidade de fazer um pacto, no qual o guitarrista troca, em uma encruzilhada, a alma por fama e habilidade.

Os violeiros brasileiros também têm as suas trajetórias envolvidas em mistérios.

O curitibano Luiz Rogério Gulin, 48 anos, conhece algumas dessas superstições. De São Paulo para cima, é tradição: para tocar bem a viola caipira, o sujeito precisa "agir".

Em uma noite de sexta-feira 13, o violeiro tem de caminhar até um cemitério, onde está enterrado um mestre do instrumento, e colocar as mãos por cima do muro. De repente, o espírito do violeiro poderá estalar os dedos das mãos do aspirante à arte do bem tocar e, a partir disso, as dez cordas da viola do aprendiz passariam a soar com muita bossa.

Outra dica seria pegar, com a mão direita, um filhote de cobra coral e o enrolar na própria mão esquerda.

Gulin tem conhecimento desses rituais, mas não fez nenhuma dessas mandingas.

O curitibano prefere, ao invés de pactos, simplesmente se dedicar ao instrumento. Ele estuda todos os dias. Há mais de três décadas.

Caminhos se bifurcam

Nesta semana, Gulin viaja para o interior de São Paulo na condição de convidado especial da 4.ª Violeira de Votorantim, um dos mais importantes eventos do universo da viola caipira.

Roberto Corrêa, um dos mestres do instrumento, é um entusiasta do curitibano: "Gulin é hoje um dos grandes nomes da viola no Brasil".

O curitibano que entrou no mundo da música "vendo" o irmão tocar violão poderia imaginar que, em 2010, seria um artista respeitado em âmbito nacional?

"A vida foi me levando", despista, entre uma risada e outro silêncio, os dois momentos que dão o tom da presença de Gulin quando ele não está com a viola nas mãos.

Longa estrada

Gulin compôs 70 músicas. Uma obra relativamente extensa, que chama a atenção pela polifonia e, apesar de ser executada na viola caipira, tem dicção rock-and-roll.

Ele reconhece que a sua pegada traz influências de guitarristas cultuados por roqueiros, como Chuck Berry, Keith Richards (The Rolling Stones) e David Gilmour (Pink Floyd).

Mas, confessa, foi o seu irmão Sérgio, que não é profissional da música, quem despertou nele, ainda menino, o desejo de tocar um instrumento de cordas.

No tempo em que era possível jogar futebol até nas ruas de Curitiba, e em que soltar pipa era esporte praticamente obrigatório para toda e qualquer criança, Gulin pensava que o seu futuro seria empunhar uma guitarra.

Na década de 1970, ele até montou uma banda, a Banco de Praça, com Paulinho Branco.

Mas, em 1978, Gulin conheceu a viola de dez cordas e sentiu um chamado.

Expressão

O acaso o levou a palcos de bares, a fazer trilha sonora para espetáculos de teatro e, como ele mesmo diz, a intuitivamente abrir os olhos em 1990. Ele abandonou a guitarra, para fazer da viola caipira o seu canal de expressão.

Gravou mais de dez álbuns, percorreu o Brasil ao lado de Guinga (violão) e viu, ouviu e se emocionou com o saxofonista Carlos Malta, um dos nomes mais expressivos da música instrumental brasileira, que já interpretou uma música de sua autoria.

Atualmente, Gulin tem três compromissos fixos.

É professor de viola caipira e violão no Conservatório de Música Popular Brasileira de Curitiba, e faz parte de dois conjuntos, o Viola Quebrada e o Terra Sonora.

Gulin não acredita nos pactos, mas guarda dentro de uma de suas violas um guizo de cobra cascavel, presente do amigo Pena Branca.

A única forma de adquirir o amuleto é ganhando-o. O guizo é como um rito de passagem e significa que Gulin deixou de ser apenas um músico para se tornar um herói da viola.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]