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Durante banquete realizado pela Academia Sueca, em 1978, o Nobel de Literatura daquele ano disse que tinha 500 razões que o levaram a escrever livros para crianças. Para economizar tempo, ele citou dez: crianças lêem livros e não resenhas, elas não lêem para descobrir suas identidades, não lêem para se livrar de culpa, não usam psicologia, detestam sociologia, não tentam entender Kafka e Finnegans Wake – Finnicius Revém (obra do irlandês James Joyce), ainda acreditam em Deus, família, anjos, demônios, bruxas, duendes, lógica, clareza, pontuação e em outras coisas obsoletas, adoram histórias interessantes e não comentários, guias e notas de rodapé, não têm vergonha nem medo de reclamar abertamente quando um livro é ruim e não esperam que seu escritor querido redima a humanidade.

"Jovens como são, elas sabem que ele não tem esse poder. Somente os adultos têm ilusões infantis desse tipo", foram as palavras que finalizaram o discurso de Isaac Bashevis Singer (1904 – 1991), o Nobel em questão. Embora tenha escrito também para crianças (foram 14 obras), a maior parte de sua produção – 18 romances, vários livros de memória e dezenas de contos, reunidos em uma coleção que somava 2,5 mil páginas – é literatura para gente grande, sobre atos e sentimentos absolutamente humanos (desilusões, sexo, desejo, traição, tentação, etc.), quase sempre sob uma perspectiva considerada pessimista. O que levou outros judeus a taxá-lo de "decadente".

Publicado pela primeira vez no mesmo 1978 em que Singer recebeu o Nobel, Shosha (Tradução de José Rubens Siqueira. Francis, 300 págs., R$ 27,50) não é para o público infantil, mas uma de suas personagens – justamente a que dá título ao livro – se mantém criança enquanto todos a sua volta crescem, sem explicação alguma. Ela é o interesse amoroso do narrador, Aaron Greidinger, filho de um rabino hassídico que abandonou o estudo da Torá para se tornar escritor. Shosha pode ser considerado uma história de amor na Varsóvia (Polônia) dos anos 1930. Vivendo em um gueto judaico prestes a ser dizimado pelo nazismo na Segunda Guerra Mundial, Greidinger se relaciona com cinco mulheres – mas só Shosha faz seu coração acelerar.

Para o escritor e tradutor Fernando Monteiro, autor de As Confissões de Lúcio, a ser lançado este ano, Shosha "destoa um pouco, sim, do tom geral e pessoalíssimo do melhor de Singer, calcado em um realismo de gueto que se evade da realidade". Uma das qualidades do romance, na opinião de Monteiro, é "o ambiente criado em torno de personagens ao mesmo tempo firmes e evanescentes, como os fantasmas dos quadros de Chagall", em referência ao pintor russo radicado na França Marc Chagall (1887 – 1985).

Singer ganhou fama internacional com o Nobel. Depois do prêmio, suas histórias renderam produções para a tevê e o cinema. As mais conhecidas são Yentl (1983), estrelado e dirigido por Barbra Streisand, e Inimigos – Uma História de Amor (1989), de Paul Mazursky, com Anjelica Huston e Lena Olin – ambas indicadas ao Oscar.

Nascido em Radzymin, região próxima da Varsóvia, Singer estudou em um seminário de rabinos. Aos 19 anos, começou a trabalhar lendo as provas do jornal literário editado por seu irmão, Israel Joshua Singer. Estreou com o livro Satã em Gorai (1932) e escreveu toda a sua obra em iídiche, considerada uma língua morta. "Nada melhor do que uma língua morta para se contar histórias de fantasmas", dizia Singer, que emigrou para os EUA em 1935, fugindo da perseguição aos judeus. Lá, trabalhou como jornalista, foi colaborador vitalício do diário judeu The Forward, produziu suas obras mais importantes e viveu até sua morte, aos 87 anos.

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