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As chances de um poeta talentoso ser publicado por uma grande editora no Brasil são pequenas. Microscópicas até. Não importa a qualidade do trabalho. Leitores de poesia são a minoria da minoria. O extremo estreito do funil que representa a parte da população interessada em literatura de imaginação.

Como raio que cai duas vezes no mesmo lugar, o feito de Paulo Scott (além de escrever bem como poucos) foi publicar, somente neste ano, dois livros de poesia por duas grandes editoras brasileiras: A Timidez do Monstro (Objetiva, 112 págs. com ilustrações de Guilherme Pilla, R$ 29,90), seguido de Senhor Escuridão (Bertrand Brasil, 160 págs., R$ 25).

Ao tratar sobretudo de solidão e de amor, o gaúcho de 34 anos passa também pela prosa – é autor dos contos de Ainda Orangotangos (2003) e do romance Voláteis (2005). Quando fez mestrado em Direito Público, deixou os versos de lado e adoeceu. "Escrever poesia não foi algo que eu escolhi, foi algo que me escolheu – sei que parece piegas dizer isso, mas é a pura verdade", garante. Em São Paulo para lançar Senhor Escuridão, o escritor respondeu as perguntas a seguir por e-mail, de um cybercafé, "num computador muito ruim".

Gazeta do Povo – É mais fácil ser atingido por um raio do que conseguir lançar um livro de poesia por uma grande editora no Brasil. Em um espaço de três meses, você publicou dois. Qual é o seu segredo?Paulo Scott – Não há segredo. Escrevo do jeito que me parece o mais certo. Essa combinação de poesia e violência, do belo e do feio, juntos, sem clareza de fronteiras, parece que organiza uma fórmula algo original. A poesia demora a acontecer e pede maturidade, acho que decidi publicar (meu primeiro livro, o Histórias Curtas para Domesticar as Paixões do Anjos e Atenuar os Sofrimentos dos Monstros, foi publicado há pouco mais de quatro anos) na hora certa, com alguma convicção de forma, conteúdo, estilo.

Quando e como você descobriu que era um poeta?Quando tinha 12 anos e comecei a abandonar outras coisas (sempre fui um sujeito ativo, inclusive na área dos esportes) para ficar escrevendo. Uma revista literária americana, chamada The Believer, disse que as pessoas lêem cada vez menos poesia porque a produção dos últimos 20 anos chega a ser incompreensível para a maioria dos leitores. Você tem alguma teoria que explique a impopularidade da poesia, ainda mais no Brasil?Poesia exige sensibilidade e inteligência, coisas que nem sempre andam juntas. No caso do Brasil, sei que é fácil culpar o baixo poder aquisitivo dos leitores, mas isso é simplificar demasiadamente um contexto de maior complexidade, porque, na verdade, o que nos falta é cultura. Em vários países, os períodos de crise são, justamente, quando a população mais lê.Poesia incomoda, faz a pessoa pensar. Não sei se isso está muito compatível com a urgência dos dias atuais. Fica difícil competir com tamanho volume de informações, meios, diversões. Há um bombardeio que repele a lentidão necessária para a poesia. O que se pode fazer para todo mundo ler mais poesia?Disponibilizar poesia, inseri-la no cotidiano (sobretudo, no cotidiano do rádio e da televisão), mostrá-la a partir da sua normalidade e esperar que daí aumente a compreensão da sua essencialidade. Incentivar as pessoas a escrever também me parece um jeito simples de mostrar a utilidade desse diálogo (o diálogo poético).Em 2002, eu e o Flu (ex-baixista da banda Defalla), montamos o PóQUET: rUíDO & LITErATUrA, evento mensal, para as pessoas lerem seus textos originais acompanhadas de música cinema, teatro (cada um dispunha de 15 minutos no palco); isso foi um sucesso em Porto Alegre. Muitos poetas jovens e bons apareceram por lá.

Conseguiria apontar um de seus versos favoritos de todos os tempos?Os do Paul Celan. Há essa idéia de que poetas são capazes de ver e ouvir o que ninguém mais pode. Você disse gostar do saxofonista John Coltrane (1926 – 1967), um dos ícones do jazz. Quando ouve as composições dele, presta atenção em quê?Não presto atenção, a música dele simplesmente dissolve o ouvinte, junta-o a uma coisa maior (algo que não dá para explicar). Ele foi um sujeito que levou sua arte ao mais alto nível. Isso ajuda as pessoas a suportarem o peso da solidão, o vazio da existência. Os dois livros de poesia vieram depois do romance Voláteis. Você prefere escrever prosa ou poesia?Gosto de escrever, seja o que for. O grau de exigência é o mesmo. Reconheço que a singularidade da minha prosa vem de uma singularidade que me é natural na poesia. É algo intuitivo, nasceu comigo, não sei de onde vem. Como tem sido a repercussão do Na TáBUA (que publica literatura e ilustrações em três cartazes mensais, espalhados por várias cidades)?É um projeto cultuado em todo Brasil. A única parte complicada é a distribuição (isso é sempre uma dor de cabeça), mas nossa teimosia vencerá – tanto que não aceitamos apoios que alterem a estrutura originalmente idealizada. Você ficou doente por ficar sem escrever poesia por dois anos, tempo que durou os créditos de seu mestrado. Isso aconteceu por opção ou por uma imposição?O mestrado da Universidade Federal (do Rio Grande do Sul) foi na área do Direito público com ênfase na ordenação estatal do mercado. Como não havia tempo (eu trabalhava e estudava demais) me impus parar com a poesia. Evitá-la foi um erro, porque escrever poesia não foi algo que eu escolhi, foi algo que me escolheu – sei que parece piegas dizer isso, mas é a pura verdade. Qual é o tema que mais o atrai?O amor, o caminho duro que ele impõe. Quais são as melhores horas para escrever e ler poesia?Está aí o problema, sou um sujeito cheio de compromissos e acho que a melhor hora são todas as horas, daí que sobram os intervalos. Os intervalos são a melhor hora para a poesia. Você tem autores favoritos?Não gosto de ranking. Os favoritos traem quando o leitor se acostuma (daí os dois perdem). Gostaria de citar alguns poetas novíssimos: Mara Coradello, Bruna Beber, Carlos Besen. Você ainda dá aulas de direito econômico? Como faz para administrar seu impulso poético (aquele mesmo que deixou você doente durante o mestrado) e o lado prático – e vulgar – do dia-a-dia, como ir ao banco e comprar pão?O cotidiano é a vida, tem que ser enfrentado; dele, vêm todos os desafios que justificam a arte; é bom encará-lo.

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