
Ele encontrou alguém para amar, trocou as praias do Rio de Janeiro pelo concreto de São Paulo justamente para ficar perto de quem gosta e achou que a vida de Sou (2008), primeiro disco solo, havia se esvaído com o término da turnê. Estes ingredientes Marcelo Camelo colocou em um liquidificador chamado Toque Dela (Zé Pereira/ Universal Music), seu segundo disco pós-Los Hermanos.
Novamente a banda recrutada para formatar tudo isso foi a ótima Hurtmold. E desta vez há participações de Marcelo Jeneci espécie de Fernando Catatau dos teclados, já que está em todas , e, claro, da namorada Mallu Magalhães, com quem resolveu juntar as escovas de dentes em um apartamento em São Paulo.
Lançado nacionalmente no último dia 5, o delicado álbum de dez músicas revela um compositor que dá vazão a seus sentimentos sem pensar duas vezes, um letrista ainda mais afiado e conciso e, principalmente, deixa claro que o momento atual de sua vida é bom, ensolarado e otimista.
"Meu trabalho tem relação com minha vida pessoal e com meu estado de espírito. Eu sempre estava indo para algum lugar. Primeiro foi a escola, depois a faculdade e aí o Los Hermanos. Eu nunca tinha ficado em um lugar de remanso como agora, sem ninguém me olhando e me cobrando", disse o músico, por telefone, à Gazeta do Povo.
Marcelo Camelo respira. Ele encara sua arte como um espelho transformador de sua própria figura, espécie de O Retrato de Dorian Gray com final feliz. São respostas a indagações. É um degrau, continua Camelo, que serve para tirá-lo do lugar em que estava. Não se sabe, entretanto, se esse degrau era bom ou ruim. A se ter como base o disco anterior, Sou, era só um pouco mais estranho.
"Um rapaz escreveu que meu primeiro disco era hermético. Eu acho que Sou seguia a contracultura, no sentido de frear o histerismo mundial. Mas as canções são absolutamente populares", diz o músico. "Saudade", para ele, seria quase uma "Pour Elise" a música do caminhão de gás. E "Liberdade" foi tocada em parceria com Dominguinhos. "Meu intuito era oferecer uma ampliação do senso comum, do que é bom gosto. Escolhi ser assim naquela época, não é uma deficiência de linguagem", afirma, reticente. Mas são tempos idos.
As canções pseudorromânticas de Toque Dela são relativamente novas. Somente uma, diz Camelo, foi criada durante a turnê de Sou. E em todas há referências pessoais que nos dão a ideia de que ele fala sempre da mesma coisa ou da mesma pessoa. Mas não é isso.
"Se o nome do disco fosse referência à Mallu, seria O Toque de Mallu em Marcelo Camelo", brinca o músico. "Nada é referência direta. Minha vida pessoal não é para ser o espelho de quem ouve essa parada", afirma, lembrando da frase, algo filosófica, que ouviu do maestro Laércio de Freitas: "o segredo das coisas é com e para".
Outro ponto importante é a mudança do Rio de Janeiro para São Paulo, momento escancarado nas músicas "Despedida" ("Filho de sol poente quando teima em passear/ desce de sal nos olhos doente da falta de voltar") e "Tudo Que Você Quiser" ("Solidão que já vivi/ na cidade que não volta").
"Eu cresci em uma grande capital e nunca tinha me mudado, nem pensado nisso. Fazer um disco em um lugar diferente lançou minha música também para outro lugar". Camelo é carioca, nasceu no bairro de Jacarepaguá. E para ele nada é o que realmente parece.
Segundo o compositor de músicas tão distantes entre si, como "Anna Júlia" e "Deixa Estar", com o Los Hermanos, procuramos sempre uma consonância que é, na verdade, abstrata. "Qualquer informação é uma metáfora, uma coisa nunca é o que é. As palavras, aparentemente tão concretas, são símbolos de outras coisas", conta, se referindo às possíveis interpretações das letras.
E não há como não deixar de falar da banda que mais influenciou o rock brasileiro nos últimos tempos. O Los Hermanos entrou em hiato em 2008, deixando um sem número de fãs órfãos. Voltaram quando era conveniente. Tocaram no festival Just a Fest, em 2009 (no qual o Radiohead foi a grande atração); e no SWU, megafestival que aconteceu no interior de São Paulo, em 2010.
"Não há nada marcado, não nos encontramos [Rodrigo Barba, Rodrigo Amarante e Bruno Medina] muito. Mas estou sempre atento ao que eles estão fazendo. Há algum tempo fui no casamento do Medina", conta Camelo, que espera pluralizar o universo de quem o ouve, por ele muito bem definido: "Acho que sempre circulei por entre um público universitário de classe média e média alta, entre 16 e 30 anos. Mas estamos caminhando. Pluralizar. Esse é o caminho da vida".
Marcelo Camelo se apresenta em Curitiba durante o festival Lupaluna (confira o serviço completo do evento), que acontece nos dias 13 e 14 de maio.




