• Carregando...
Camelo: para o músico, novo álbum é resposta criativa às próprias perguntas | Divulgação
Camelo: para o músico, novo álbum é resposta criativa às próprias perguntas| Foto: Divulgação

Opinião

Ensolarado e perfeccionista

O que mais pesa em Toque Dela é a entrega de seu criador. A arte, dizem, atinge um grau único quando é legítima e visceral. Nesse sentido, não há ficção no novo disco de Marcelo Camelo, músico que se confunde com sua própria criação.

A banda Hurtmold continua a dar suporte para um artista que cada vez tem maior cuidado com suas composições. O tapa de luvas na "corrente atual" – efemeridade, rapidez e "histerismo", como diz o músico – é dado com sofisticação. Em Toque Dela há nenhuma música arrebatadora, mas todas querem dizer muito. "A Noite" engana. "Triste é viver só de solidão", canta Camelo, sob rufos de bateria e notas de metalofone. Mas logo tudo se clareia. "Passará depois em cada despedida", sugere o carioca, com ar leve e dedicado, ousando alcançar notas mais altas. "ôô" começa com um assobio promissor, inspirador. Como na maioria das faixas, a banda se apequena, apesar de surgirem solos de trompetes e sax, para dar espaço à mensagem que Camelo passa com vigor e concisão: "Vai sobrar carinho se faltar estrada ou carnaval".

"Tudo Que Você Quiser" revela um arranjo fantástico, que repete melodias em diversos instrumentos. Destaque é o acordeom tocado por Marcelo Jeneci. Os conhecidos graves guturais de Camelo também reaparecem.

O ótimo trabalho de guitarra em "Acostumar" e a velocidade de "Pretinha" dão novo fôlego ao disco – é tudo pensado.

Em "Três Dias", parceria com o quadrinista André Dahmer, surge quase uma poesia concreta. É singela, porém honesta, como aparenta ser o atual momento do ainda barbudo Camelo. GGGG

Cristiano Castilho, repórter do Caderno G

Ele encontrou alguém para amar, trocou as praias do Rio de Janeiro pelo concreto de São Paulo justamente para ficar perto de quem gosta e achou que a vida de Sou (2008), primeiro disco solo, havia se esvaído com o término da turnê. Estes ingredientes Marcelo Camelo colocou em um liquidificador chamado Toque Dela (Zé Pereira/ Universal Music), seu segundo disco pós-Los Hermanos.

Novamente a banda recrutada para formatar tudo isso foi a ótima Hurtmold. E desta vez há participações de Marcelo Jeneci – espécie de Fernando Catatau dos teclados, já que está em todas –, e, claro, da namorada Mallu Magalhães, com quem resolveu juntar as escovas de dentes em um apartamento em São Paulo.

Lançado nacionalmente no último dia 5, o delicado álbum de dez músicas revela um compositor que dá vazão a seus sentimentos sem pensar duas vezes, um letrista ainda mais afiado e conciso e, principalmente, deixa claro que o momento atual de sua vida é bom, ensolarado e otimista.

"Meu trabalho tem relação com minha vida pessoal e com meu estado de espírito. Eu sempre estava indo para algum lugar. Primeiro foi a escola, depois a faculdade e aí o Los Hermanos. Eu nunca tinha ficado em um lugar de remanso como agora, sem ninguém me olhando e me cobrando", disse o músico, por telefone, à Gazeta do Povo.

Marcelo Camelo respira. Ele encara sua arte como um espelho transformador de sua própria figura, espécie de O Retrato de Dorian Gray com final feliz. São respostas a indagações. É um degrau, continua Camelo, que serve para tirá-lo do lugar em que estava. Não se sabe, entretanto, se esse degrau era bom ou ruim. A se ter como base o disco anterior, Sou, era só um pouco mais estranho.

"Um rapaz escreveu que meu primeiro disco era hermético. Eu acho que Sou seguia a contracultura, no sentido de frear o histerismo mundial. Mas as canções são absolutamente populares", diz o músico. "Saudade", para ele, seria quase uma "Pour Elise" – a música do caminhão de gás. E "Liberdade" foi tocada em parceria com Dominguinhos. "Meu intuito era oferecer uma ampliação do senso comum, do que é bom gosto. Escolhi ser assim naquela época, não é uma deficiência de linguagem", afirma, reticente. Mas são tempos idos.

As canções pseudorromânticas de Toque Dela são relativamente novas. Somente uma, diz Camelo, foi criada durante a turnê de Sou. E em todas há referências pessoais que nos dão a ideia de que ele fala sempre da mesma coisa – ou da mesma pessoa. Mas não é isso.

"Se o nome do disco fosse referência à Mallu, seria O Toque de Mallu em Marcelo Camelo", brinca o músico. "Nada é referência direta. Minha vida pessoal não é para ser o espelho de quem ouve essa parada", afirma, lembrando da frase, algo filosófica, que ouviu do maestro Laércio de Freitas: "o segredo das coisas é ‘com’ e ‘para’".

Outro ponto importante é a mudança do Rio de Janeiro para São Paulo, momento escancarado nas músicas "Despedida" ("Filho de sol poente quando teima em passear/ desce de sal nos olhos doente da falta de voltar") e "Tudo Que Você Quiser" ("Solidão que já vivi/ na cidade que não volta").

"Eu cresci em uma grande capital e nunca tinha me mudado, nem pensado nisso. Fazer um disco em um lugar diferente lançou minha música também para outro lugar". Camelo é carioca, nasceu no bairro de Jacarepaguá. E para ele nada é o que realmente parece.

Segundo o compositor de músicas tão distantes entre si, como "Anna Júlia" e "Deixa Estar", com o Los Hermanos, procuramos sempre uma consonância que é, na verdade, abstrata. "Qualquer informação é uma metáfora, uma coisa nunca é o que é. As palavras, aparentemente tão concretas, são símbolos de outras coisas", conta, se referindo às possíveis interpretações das letras.

E não há como não deixar de falar da banda que mais influenciou o rock brasileiro nos últimos tempos. O Los Hermanos entrou em hiato em 2008, deixando um sem número de fãs órfãos. Voltaram quando era conveniente. Tocaram no festival Just a Fest, em 2009 (no qual o Radiohead foi a grande atração); e no SWU, megafestival que aconteceu no interior de São Paulo, em 2010.

"Não há nada marcado, não nos encontramos [Rodrigo Barba, Rodrigo Amarante e Bruno Medina] muito. Mas estou sempre atento ao que eles estão fazendo. Há algum tempo fui no casamento do Medina", conta Camelo, que espera pluralizar o universo de quem o ouve, por ele muito bem definido: "Acho que sempre circulei por entre um público universitário de classe média e média alta, entre 16 e 30 anos. Mas estamos caminhando. Pluralizar. Esse é o caminho da vida".

Marcelo Camelo se apresenta em Curitiba durante o festival Lupaluna (confira o serviço completo do evento), que acontece nos dias 13 e 14 de maio.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]