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"Hotel Ruanda", de Terry George, conta a história de um herói improvável, um homem comum em posição privilegiada num país miserável, inicialmente indiferente à sorte de seus compatriotas até descobrir, em meio a uma grave crise, uma insuspeitada coragem e vocação humanitária, a ponto de arriscar a vida por estranhos. O filme estréia nesta sexta no Brasil.

O cenário é Ruanda, uma ex-colônia belga na África centro-oriental com 8,1 milhões de habitantes, economia agrária e expectativa de vida de 45 anos. Dividida em duas etnias, tutsis (15% da população) e hutus (84%). O ator Don Cheadle, indicado ao Oscar, encarna Paul Rusesabagina, o gerente do hotel de luxo Milles Collines em Kigali, a capital, protagonista de cenas de heroísmo, vendo a morte bem de pertinho várias vezes ao longo do massacre de 100 dias que custou a vida de 937 mil (número oficial da ONU) tutsis e de hutus considerados traidores ou moderados de abril a julho de 1994.

O filme é um violento libelo contra a indiferença das potências colonizadoras e dos Estados Unidos à tragédia num país remoto que não lhes rendia nenhum voto, como diz um personagem. A única presença externa foram os capacetes azuis da ONU, mesmo assim em número mínimo, sem condições de evitar o massacre de homens, mulheres e crianças por gangues armadas de facões comprados da China a 10 centavos cada, uma pechincha, como diz um líder das assassinas milícias hutus.

O diretor e roteirista Terry George foi à Bélgica para pedir orientação ao verdadeiro Paul Rusesabagina, que vive em Bruxelas como asilado depois de ter salvo a vida de 1.268 pessoas que se abrigaram no seu hotel para fugir da morte. Rodado em favelas da África do Sul utilizando os moradores locais como figurantes, o longa pinta a tragédia com cores vivas, de deixar o espectador com uma descrença terminal da natureza humana.

Don Cheadle perdeu o Oscar de ator principal para Jamie Foxx ("Ray"), mas bem que valia um empate pela magnífica atuação como Paul Rusesabagina. Assistente da gerência e depois gerente do hotel pertencente à empresa aérea belga Sabena, ele circulava nas altas rodas como uma espécie de cortesão de luxo do poder, agradando aos estrangeiros e às autoridades locais, estas últimas com pequenos subornos como uísque de malte puro e charutos Cohiba.

Tinha uma casa confortável no subúrbio, uma bela mulher, Tatiana, vivida magistralmente por Sophie Okonedo, e dois filhos. Tudo isso num período de relativa trégua da violência recorrente entre hutus e tutsis. Mas não por muito tempo.

O assassinato do presidente Juvenal Habyarimana (hutu) em seis de abril de 1994 desencadeia a violência étnica que logo bate na porta de um vizinho de Paul, uma "barata tutsi", na terminologia dos milicianos e militares hutus. A exemplo do personagem do poema de Brecht, Paul diz à mulher que não é com eles e nada pode fazer. Aos poucos, começa a ser com ele.

Milicianos e militares hutus começam a matar tutsis e, uma noite, ele encontra vários vizinhos em casa, amedrontados. Logo soldados irrompem ameaçando matar todas as "baratas", incluindo sua mulher e filhos. Ele compra a vida de todos por 100 mil francos, o início de uma série de artifícios para driblar a truculência, incluindo ligações para membros do governo, para a sede da Sabena em Bruxelas e apelos ao comandante das forças da ONU, coronel Oliver, vivido por Nick Nolte.

Oliver joga vários baldes de água gelada sobre Paul, derrubando sua esperança de uma intervenção da Europa e dos Estados Unidos com frases como "vocês são lixo para as grandes potências". Tropas ocidentais só aparecem para retirar os estrangeiros, deixando os locais à mercê dos facões das milícias Interahamwe (Os que lutam juntos no idioma kinyarwanda).

O Hotel de luxo vai aos poucos se enchendo de refugiados, protegidos da morte pelos subornos aos militares, pela frágil proteção dos capacetes azuis e por pressões do governo francês acionado pelos donos belgas do hotel para proteção de seu patrimônio em Ruanda.

Paul vacila, se desespera diante de cenas como uma estrada coalhada de corpos de homens, mulheres e crianças, mas vai em frente. Hotel Ruanda é um libelo contra a estupidez e a ganância. Um filme que deixa seqüelas na alma do espectador.

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