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Carlos Lyra divulgou que recebeu menos de R$ 14 referentes à venda de CDs que usam a maior parte das suas gravações | Divulgação
Carlos Lyra divulgou que recebeu menos de R$ 14 referentes à venda de CDs que usam a maior parte das suas gravações| Foto: Divulgação

Preocupado com o antigo impasse em torno do pagamento de direitos autorais de execução pública no Brasil, o cantor e compositor Carlos Lyra divulgou recentemente um valor que dá uma medida da força do golpe que a queda na venda de CDs observada nos últimos 13 anos representou também para os autores. Aos 77 anos de idade e 60 de carreira, Lyra é reconhecido internacionalmente; é um dos ícones da bossa nova ao lado de nomes como Tom Jobim. Mas a soma dos valores que recebeu das gravadoras que mais usam suas gravações em CDs vendidos no mundo todo não chegou a R$ 14 pelo primeiro trimestre de 2013.

O valor confirma o cenário desfavorável do mercado musical para autores que estavam acostumados ao antigo modelo de venda de CDs físicos, em que recebiam uma porcentagem sobre o preço de capa. Nem mesmo o resultado positivo da indústria fonográfica em 2012 – 0,3% de crescimento puxado pela melhora nos resultados dos serviços de download pagos e streaming – serve de alento: o valor que costuma ser revertido para os autores é muito pequeno, e o controle deste mercado é difícil.

Em entrevista por e-mail para a Gazeta do Povo, Lyra conta que se surpreendeu ao encontrar músicas suas em um aplicativo pirata disponibilizado no Google Play. "Essa parceria é gratuita? Duvido muito. É um modelo de negócio e alguém está lucrando, enquanto o autor e o dono do fonograma estão sendo roubados à luz do dia", reclama.

Polarização

Ao clamar também pela consciência do consumidor, que estaria "lesando alguém quando baixa gratuitamente algo que deveria ser pago", Lyra se torna uma das vozes que, na contramão do discurso da liberdade total da internet em favor de um crescimento cultural da sociedade, frequentemente é tachado como conservador. Isolamento semelhante acontece com nomes como Aldir Blanc – que, diferentemente de Lyra, nunca viveu de apresentações e tem nos direitos autorais sua principal fonte de renda. Esta é uma das principais divergências dentro da própria classe artística.

Para o professor do curso de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Sérgio Staut, autor do livro Direitos Autorais: Entre as Relações Sociais e as Relações Jurídicas, é preciso cautela com este tipo de polarização. "Tudo bem que o sistema de propriedade não serve mais, mas temos de tomar cuidado para não fazer um discurso que beneficie uma gigante que pode estar prejudicando muita gente", diz Staut.

"A Google não existiria se não existissem pessoas produzindo informações. Ela faz a intermediação, é sistema de acesso, produz muito pouco conteúdo. Para ela, quanto menor a proteção autoral, melhor. Se antes os autores eram explorados pela indústria, hoje a ameaça é maior. Temos grandes personagens que precisam de distribuição a preço baixo ou zero. E autores ficam sem nada."

O especialista explica que, em casos como o de Lyra, os artistas são inevitavelmente prejudicados com as mudanças trazidas pelos tempos digitais – para os quais, por sinal, a legislação brasileira é obsoleta. "Existem outras formas em termos de remuneração para os autores. O que me parece importante ser destacado é que vivemos em um novo mundo em matéria de direitos autorais. E temos legislação pensada para muitos anos atrás", diz o professor, que acredita haver certa desmobilização no Congresso Nacional. "É tremendamente importante discutir isso em uma sociedade em que muito do que se consome é imaterial", diz.

O setor espera a discussão sobre a reforma da Lei de Direitos Autorais pela ministra da Cultura, Marta Suplicy. A questão dos direitos atuais de execução pública – referentes ao que se toca em rádio, tevê e música ao vivo, entre outros –, que envolve o polêmico Escritório Central de Arrecadação de Direitos (Ecad), também está em pauta.

"Quando o Estado se mete em um assunto privado, como é o Ecad e a Lei dos Direitos Autorais, ele tem por obrigação não prejudicar os que contribuíram para o Brasil ter o reconhecimento que tem hoje", diz Lyra, que chegou a sugerir uma aposentadoria especial para criadores. "De que maneira? Não sei. Dei apenas uma sugestão", conclui.

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