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O filme mais aguardado do Festival do Rio 2006 não era nenhuma grande produção internacional ou com o selo Globo Filmes, mas uma fita independente, feita com poucos recursos e a dedicação total de uma equipe que acreditou em um projeto. O Cheiro do Ralo, segundo longa-metragem do diretor Heitor Dhalia (Nina), estrelado por Selton Mello, teve concorrida e badalada sessão de lançamento no evento na semana passada – com direito presença de celebridades globais. É um dos favoritos aos principais prêmios da mostra carioca, que se encerra na quinta-feira.

Mas há dois anos, quando Dhalia recebeu carta que liberava a captação de recursos via Lei do Audiovisual, no valor de R$ 2,5 milhões, ninguém quis apostar no filme, adaptação do primeiro livro de ficção de Lourenço Mutarelli, um dos maiores quadrinistas brasileiros. A história, sarcástica e irônica, fala do antiquário Lourenço (Mello), que acaba enlouquecendo por causa do cheiro do ralo do banheiro do escritório em que trabalha. O personagem geralmente humilha as pessoas que vão ao seu estabelecimento tentar conseguir dinheiro, vendendo suas bugigangas. Para completar, ele tem uma tara que é um dos principais motes da trama – a grande bunda de uma atendente de lanchonete.

"Tentamos de tudo, concursos públicos, contatos com empresas, e nada. Nem o Selton indo às reuniões de captação adiantou, ninguém quis colocar dinheiro no filme, mesmo quem tinha apoiado meu primeiro trabalho", lembra Dhalia, em entrevista ao Caderno G, durante o Festival do Rio. Segundo ele, o tema era rejeitado logo de cara. O título da película também incomodava. "E ainda havia o fato de abrir o filme com a bunda. As pessoas não conseguiam ultrapassar essas barreiras", recorda.

Dhalia e equipe decidiram fazer a produção de qualquer maneira. Em um esquema de cooperativa, foram levantados R$ 330 mil com produtores independentes. Atores e técnicos trabalharam sem receber nada. A falta de recursos foi usada como característica do filme, pois a história comporta uma visão mais simples, suja e pobre das coisas. "Esse não é um modelo para se fazer cinema, que é uma arte cara. Mas foi a única maneira encontrada de se fazer esse filme. Ou era assim ou engavetávamos tudo", conta o diretor pernambucano, atualmente radicado em São Paulo.

Depois das sessões no evento carioca, com a boa recepção do público e da crítica, tudo mudou. O Cheiro do Ralo vai receber apoio ao lançamento da Petrobrás e ganhou contrato de distribuição com o Grupo Estação. "Já temos interesse de distribuidoras internacionais e podemos aumentar o número de cópias do lançamento nos cinemas do Brasil", explica o diretor. O filme tinha previsão de estréia para fevereiro ou março de 2007, mas agora uma nova data está sendo estudada, pois a produção deve ser levada para festivais internacionais.

Selton

O Cheiro do Ralo traz a melhor interpretação de Selton Mello no cinema – tanto na sua avaliação como na de quem já assistiu o filme. O ator, um dos principais nomes do cinema brasileiro recente, se interessou pelo projeto desde o início, depois de ter lido o livro de Mutarelli. Apesar de não ter o perfil do personagem – relacionado na obra ao ator Carlos Moreno, conhecido pelos comerciais da Bombril, e com quem Mutarelli era sempre confundido –, Selton brigou pelo papel, oferecendo-se até para trabalhar de graça. Acabou ganhando o personagem e foi também um dos vários co-produtores, investindo dinheiro do próprio bolso no filme.

A produção marca uma evolução no trabalho de Heitor Dhalia, que admite ter procurado consertar alguns erros de sua estréia em Nina – filme bem realizado tecnicamente, mas com roteiro muito irregular. "O Cheiro do Ralo se comunica muito mais com as pessoas. Consegui criar um protagonista mais efetivo, que tem melhor identificação com o público", diz. O antiquário vivido por Selton Mello é uma pessoa tão ou mais desagradável que Nina (interpretada por Guta Stresser), mas tem mais simpatia e humor. "Em Nina, não havia isso, não houve empatia pelo personagem. Foi inexperiência da minha parte. Eu estava mais fechado, sem concessões, queria fazer apenas o que eu pensava. Em O Cheiro do Ralo, tive uma preocupação maior com o público", revela.

A boa repercussão de O Cheiro do Ralo deve facilitar a realização dos próximos projetos de Dhalia. Depois da entrevista com o Caderno G, o diretor seguiu para uma conversa inicial com um representante da produtora internacional Focus Filmes sobre À Deriva, novo longa que está filmando. Ele ainda tenta negociar a realização de um filme na Argentina e também tem planos de fazer uma grande produção de ficção sobre as tropas brasileiras no Haiti.

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