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 | Marcelo Odorizzi/Divulgação
| Foto: Marcelo Odorizzi/Divulgação

O maestro pede à orquestra que pare um instante. Com um cuidado elegante, dirige-se aos jovens músicos numa língua híbrida de espanhol, italiano e inglês, cobrando concentração dos que estão marcando o tempo da valsa Danúbio Azul enquanto o clarinete sola. "A qualidade de uma orquestra depende de cada compasso. Na música nada é banal ou rotineiro", ensina.

É o ensaio para o concerto de encerramento do Festival de Música de Santa Catarina (Femusc). Iniciado em 19 de janeiro, o evento termina hoje à noite, depois de mais de 40 concertos que atraíram mais de 50 mil pessoas a Jaraguá do Sul (SC). O maestro é o violonista Leon Spierer, 84 anos, trinta deles como spalla da Orquestra Filarmônica de Berlim.

Nascido na capital alemã, de pai polonês e mãe russa, Spierer mudou-se com a família judia para Buenos Aires nos anos 1930. Lá começou seus estudos com o maestro com Ljerko Spiller (1908-2008). Nos anos 1953 ganhou uma bolsa do Royal British Council e estudou em Londres com Max Rostal (1905-1991).

Foi concertino da filarmônica de Estocolmo, Nuremberg e Bremen. De 1963 a 1993 foi spalla da filarmônica de Berlim, onde ganhou todos os prêmios possíveis de música erudita e trabalhou com maestros como Herbert von Karajan (1908-1989) e Claudio Abbado (1933-2014), até se aposentar. Modesto e simpático, explica o segredo da longa carreira: "Ambição, no sentido de querer melhorar, e muito trabalho. E um pouco de talento."

O senhor dizia aos alunos que não há nada banal na música...

O Femusc oferece uma preparação para uma futura carreira profissional. Há gente de todo o mundo que pode compartilhar uma experiência de uma vida inteira. Para estes jovens, é um ensinamento excelente. Nas orquestras, precisamos nos concentrar em cada compasso que tocamos, tanto quanto um solista. Uma orquestra é um conjunto de solistas. Se todos tocam com esta mentalidade é provável que o som saia melhor do que se simplesmente se observar o andamento que a partitura sugere. O interessante é o que há por trás disso, como cada músico o interpreta.

O diretor do festival, o maestro Alex Klein, disse que a América Latina é a bola da vez no mundo da musica clássica. O senhor concorda?

Definitivamente, sim. Observo o surgimento de um movimento formidável em torno da música clássica na América do Sul nos últimos anos. Há muitos exemplos que podem ser citados e este festival [Femusc] é um deles. Quando eu era jovem na Argentina, não havia nada. Hoje há muitas oportunidades. Eu procuro fazer a minha parte entusiasmando esses jovens para a música. Como eu disse outro dia: se você ama a melodia, ama o ritmo e as dinâmicas a profissão de músico é lindíssima. Se você faz apenas para ganhar a vida é um aborrecimento.

O senhor aplica com os alunos um projeto de "orquestra sem maestro". É possível uma orquestra tocar sem regente?

Toda orquestra sinfônica precisa de um maestro. Estou totalmente convencido. Mas de vez em quando é saudável para uma orquestra tocar um concerto sem um maestro dando os impulsos. O maestro não serve só para marcar os compassos, mas para dar os impulsos e a interpretação musical. Quando não há um maestro, nos ensaios eu lhes mostro minhas ideias e no concerto os deixo tocar.

Dando liberdade para os músicos...

Sim, lhes dou certa liberdade. Porque quero que cada uma um toque com muitas orelhas para ouvir aqui e acolá e muitos olhos para poder olhar tudo. Os músicos ficam mais seguros quando podem se agarrar a uma batuta e a seguir. Mas sem a batuta, ficam mais responsáveis.

Falando em regência, o senhor trabalhou com os dois maiores maestros do século 20, Claudio Abbado e Herbert von Karajan. O senhor pode contar como foi a experiência com cada um deles?

Tive mesmo muita sorte. Primeiro trabalhei 26 anos com Karajan. Ele trabalhava intensamente em todos os ensaios, cuidava de cada detalhe e sabia exatamente o que queria. É importante lembrar que não tocava nenhum instrumento da orquestra, mas sabia aonde queria chegar. Como tinha uma ótima orquestra à disposição, conseguia com muita insistência sempre chegar aonde se propunha, sobretudo quanto à qualidade do som. Nos concertos, quando ele sentia que a orquestra estava inspirada a deixava tocar e a orquestra tocava. Era um prazer.

E Abbado?

Era um grande regente, mas o seu sistema era distinto. Nos ensaios falava pouco: "mais forte aqui, mais rápido...". Nos concertos era fascinante. Todos os músicos ficavam conectados à batuta e à inspiração de Abbado.

O senhor como regente está mais para qual lado?

Definitivamente Karajan. Porque nos concertos, quando sentia que a orquestra estava inspirada, deixava a coisa fluir. Claro que ele não cruzava os braços. Para mim, um regente deve não apenas conduzir, mas, especialmente, inspirar a orquestra. Dirigir nos ensaios e inspirar nos concertos.

Nestes 26 anos de trabalho como era sua relação pessoal com Karajan?

Karajan era uma pessoa muito introvertida. Ele tinha um invisível manto de cristal a sua volta. Era muito simpático pessoalmente, cordial e atencioso com a necessidade dos músicos, mas diante da orquestra era quase um ditador. E amizade pessoal não fazia parte de seu repertório.

Há um famoso episódio de um concerto em homenagem a ele depois de sua morte...

Quando ele morreu, dias depois, havia um concerto pré-agendado que foi dirigido por Carlo Maria Giulini [1914-2005]. No programa final, estava a Sinfonia Inacabada de Schubert. Giulini reuniu a orquestra e disse: "No último movimento, é melhor que a orquestra tocar sozinha, sem regente, como uma homenagem a Karajan". Foi muito emocionante.

O que distingue um músico excelente de um genial?

A distinção está em você [aponta], no público. Você decide quem é o musico que te emociona. Não há regras, definitivamente. Os bons músicos têm de saber usar o computador do cérebro. Música é 60% pensada e o resto é técnica. E sempre com sentimento.

O jornalista viajou a convite do festival.

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