
Seja puro populismo ou desejo real, o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad gosta de apregoar a destruição dos judeus. Faz isso recorrentemente. Assim como ele, outros governos árabes que não reconhecem Israel se utilizam desta propaganda: a que diz que é preciso varrer o Estado judeu do mapa. Para um povo que vem sendo perseguido por toda a sua história de 4 mil anos e, há pouco mais de seis décadas, foi vítima de um dos maiores genocídios da História, a ameaça não pode ser levada apenas como retórica. Tudo vai acabar bem não é exatamente um pensamento popular entre os israelenses.
Um exemplo ilustrativo dessa permanente preocupação com a autopreservação pode ser visto na página da internet do jornal Jerusalem Post, o maior diário em inglês do país. Ao lado das seções normais esporte, política, cultura, ciência e tecnologia , o cabeçalho do site possui uma especificamente chamada "Ameaça iraniana". A mensagem está ali, no dia-a-dia do leitor: alguém quer se livrar de nós.
Apesar de o conflito árabe-isralense ser anterior ao nazismo, vários historiadores argumentam que muitas decisões do Estado judeu foram, e ainda são, tomadas à luz do Holocausto. Por que um país menor do que o Sergipe precisaria de uma bomba atômica, por exemplo? A única explicação, eles dizem, é para evitar um segundo Holocausto. Não só a experiência de sobreviver a um genocídio, mas, sem dúvida, esta também, fizeram com que os judeus criassem um dos exércitos mais eficientes do mundo. "Eu concordaria que a tendência israelense de contar com o poder militar como um grande instrumento é uma das maiores reações provocadas pelo Holocausto", diz o professor de História Judaica da Universidade Bar-Ilan, Dan Michman.
Uma minoria israelense, no entanto, vai ainda mais longe, e começa a discutir se Auschwitz não se tornou uma obsessão do país. Se para a era da internet foi criada a chamada Lei de Godwin se uma discussão na internet se prolonga por algum tempo, a chance de aparecerem comparações envolvendo Hitler ou nazistas se aproxima de 100% , cunhada na década de 1990 pelo advogado norte-americano Mike Godwin, o mesmo poderia ser dito sobre o Holocausto nas discussões políticas de Israel, argumenta Avraham Burg, um conhecido ex-político israelense autor do livro O Holocausto Acabou: Devemos Ressurgir de Suas Cinzas (inédito no Brasil). Burg acredita que Israel está preso hoje a uma "mentalidade de gueto".
"Independentemente se a questão é o futuro das relações entre Israel e os vizinhos palestinos ou o mundo árabe em geral, ou a ameaça nuclear iraniana e Mahmoud Ahmadinejad, tudo se resume sempre à mesma conversa. Qualquer ameaça ou queixa de maior ou menor importância é tratada automaticamente pelo levantamento do maior argumento de todos o Holocausto , e a partir desse momento em diante, toda discussão é interrompida", escreveu ele em artigo recente para o jornal Los Angeles Times.
Dessa forma, ele diz, o uso do Holocausto tem contribuído para piorar a situação da democracia israelense, além de cegar o país, isolando-o ainda mais e dificultando um processo de paz com os vizinhos.
O livro foi extremamente mal recebido em Israel. Perguntado pela reportagem sobre as ideias de Burg, o professor Barry Rubin, diretor do Centro de Pesquisas Globais de Assuntos Internacionais, do Centro Interdisciplinar de Hertzlia, em Israel, foi categórico: "Quem quer que dê voz a ele (Burg) não tem o menor conhecimento do que se passa em Israel. Ele sofreu um colapso mental. Nada do que ele diz pode ser levado a sério".
Rubin apresenta uma visão bem diferente da presença do Holocausto na memória dos isrelenses. Diz que não é algo que as pessoas pensem ou discutam diariamente. Lembra que, nos primeiros anos do Estado de Israel, o assunto era tabu. "É um tema muito difícil, muito sensível. Naquela época, as pessoas não queriam que suas crianças soubessem o que havia acontecido. Achavam que elas seriam mais felizes se não soubessem", diz Rubin. Foi só a partir do julgamento do nazista Adolf Eichmann, preso na Argentina em 1960 e levado a Israel, onde, dois anos depois, foi condenado à pena de morte por seu papel no extermínio dos judeus, que se iniciou uma discussão sobre o que aconteceu nos campos de extermínio alemães.
"O julgamento foi em 1961, mais de uma década depois do estabelecimento do Estado. Foi o momento em que o foco do Estado mudou. Ao invés da construção de Israel, o tema mais discutido naqueles dez primeiros anos, passou-se a dar mais atenção para os sobreviventes. Um dos fatores públicos mais importantes do julgamento foi a aparição de 110 testemunhas. Embora para o julgamento em si elas não tenho sido tão importantes havia uma documentação bastante robusta contra Eichman , para o público o testemunho dos sobreviventes teve enorme influência. Desde então, o interesse no Holocausto cresceu enormemente. Esse fenômeno das memórias dos sobreviventes, que hoje existem milhares, se originou, a maior parte, a partir do julgamento", diz Michman.
Nas próximas décadas, quando todos os sobreviventes já terão morrido, o Holocausto vai deixar de ser uma experiência de fato para se transformar apenas em memória. "E a memória continuará lá. É importante que continue", diz Michman. Caberá a essa nova geração saber distinguir entre a manipulação política do genocídio e o sentimento verdadeiro em relação a ele.




