Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
artigo

Isso é Bergman, é Shakespeare? Não, é Woody Allen

Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão: intertextualidade é traço da obra de Allen | Divulgação
Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão: intertextualidade é traço da obra de Allen (Foto: Divulgação)

Woody Allen sempre fala de suas influências em entrevistas e relatos biográficos. Não são raras as vezes em que ele se refere a filósofos e autores da literatura mundial como Dostoievski, Flaubert, Kierkegaard, Kafka, Camus, entre outros. É sabido que o diretor não teve uma formação escolar completa, entretanto, buscou na literatura e na filosofia as bases para sua vida artística. É uma característica sua, dialogar com os mais diferentes referenciais em seus trabalhos. Ele estabelece uma conversa com outro, ou mesmo com outros, assumindo uma atitude crítica e marcadamente irônica em relação aos seus objetos de origem, o que não tem nada a ver como uma imitação simples ou burlesca.

A ironia é a fundação do seu estilo e se apresenta expressa em paródias e adaptações que fazem a exclusividade de sua obra. Seus filmes são como uma rede significante, feita de anúncios, lembranças, correspondências, deslocamentos, saltos que fazem de sua narrativa um tecido de fios entrecruzados, em que seus elementos podem pertencer a muitos circuitos. Allen como roteirista e diretor de seus filmes, se coloca como um narrador, que vai contando suas estórias, misturando os mais variados textos, vindos de sua memória, preferências e influências.

Sua produção intensa teve início como diretor em 1969 com o filme Um Assaltante Bem Trapalhão, no qual também participou como ator, interpretando o impagável Virgil Starkwell. A cada ano apresenta um filme novo totalizando a soma de 43 filmes realizados e um em produção. É considerado por alguns críticos como o representante por excelência do cinema pós-moderno, pois seus filmes vão desde adaptações literárias a recriações de períodos do cinema e paródias, atendendo a estética desse período, chamado também de modernismo avançado. A pluralidade de seu discurso nos permite pensar na sua obra como um exemplo da intertextualidade aplicada ao cinema. O conceito foi introduzido nas ciências da linguagem por Julia Kristeva, para quem o discurso não teria um sentido único, pontual, fixo, mas sim, seria o cruzamento de superfícies textuais, um diálogo entre várias escrituras, um cruzamento de citações. Quando falamos de cinema, falamos também de narratividade e podemos fazer uso do conceito proposto pela pesquisadora búlgara para realizar leituras dos objetos midiáticos produzidos pela cinematografia. Esse conceito de "dialogismo intertextual" abre a possibilidade da quebra do pensamento do cinema de "autor" e, ao mesmo tempo, permite a identificação de tonalidades e acentos individuais e, faz com que evitemos a fetichização formalista da autonomia textual.

Em 1982, Woody Allen nos brindou com Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão, exemplo claro de intertextualidade utilizada por ele. Aqui ele junta o inglês e o sueco para compor o seu trabalho. No título do filme podemos observar uma referência imediata à peça de William Shakespeare, Sonhos de uma Noite de Verão, porém o resultado proposto por Allen vai além de uma adaptação ou mesmo uma paródia da peça do mestre inglês, mundialmente conhecida.

É sabido da admiração de Allen pelo diretor sueco Ingmar Bergman e que muitos dos filmes do primeiro fazem referência ou mesmo homenageiam o segundo. Em 1955, Bergman realizou um de seus filmes, Sorrisos de uma Noite de Amor, que foi o seu primeiro sucesso internacional. O nome original do filme não se referia a uma noite de amor e sim uma noite de verão, porém na tradução para o português, perdemos essa relação com as obras de Shakespeare e posteriormente com a de Allen.

Partindo de estruturas da comédia de costumes, utilizadas tanto por Shakespeare como por Bergman, em Sonhos Eróticos de uma Noite de Verão Allen mistura o dramaturgo e o cineasta resultando numa estória divertida e atraente, baseada na força da natureza e com toques do mundo mágico com o objetivo de aliviar a carga das neuroses provocadas pelo amor. De maneira alguma as estórias se cruzam ou se assemelham, entretanto guardam entre si a mesma leveza e provocam a reflexão sobre o amor e o ser humano. Não há como estabelecer um juízo de valor entre as três obras sobre qual delas seria a melhor. Elas se administram dentro de seu gênero com individualidade guardando elementos intertextuais entre si. Por outro lado, a complexa narrativa fílmica de Allen revela seu caráter intertextual, ao dialogar com outras obras da literatura e do cinema.

*Alex Wolf é diretor teatral e mestrando em Comunicação e Linguagens (Estudos sobre Cinema) na Universidade Tuiuti do Paraná (UTP).

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.