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Marion Cotillard, Allison Pill, Owen Wilson e o diretor Woody Allen, no set de Meia-noite em Paris,sucesso internacional de bilheteria | Divulgação
Marion Cotillard, Allison Pill, Owen Wilson e o diretor Woody Allen, no set de Meia-noite em Paris,sucesso internacional de bilheteria| Foto: Divulgação
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Quando a separação é um mal necessário

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Com Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (Annie Hall), Woody Allen inaugurou um ciclo de filmes nos quais discute as agruras e a importância das crises nos relacionamentos amorosos

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Música para a vida valer a pena

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Mais para o fim de Manhattan (1979) (leia texto na página 5), o intelectual Isaac, personagem de Woody Allen, usa um gravador de fita cassete, conectado a um microfone com fio, para registrar ideias de histórias possíveis que pensa em escrever.

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Isso é Bergman, é Shakespeare? Não, é Woody Allen

Woody Allen sempre fala de suas influências em entrevistas e relatos biográficos. Não são raras as vezes em que ele se refere a filósofos e autores da literatura mundial como Dostoievski, Flaubert, Kierkegaard, Kafka, Camus, entre outros. É sabido que o diretor não teve uma formação escolar completa, entretanto, buscou na literatura e na filosofia as bases para sua vida artística. É uma característica sua, dialogar com os mais diferentes referenciais em seus trabalhos.

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Meia-noite em Paris é uma festa. O mais recente filme de Woody Allen é divertido do início ao fim. E boa parte da diversão se deve ao fato improvável de que o personagem central do filme, um escritor nostálgico de uma época em que nunca pôde viver, acaba tendo a chance de, sabe-se lá como, ir parar na Paris dos anos 20. Convive com Scott Fitzgerald, Picasso, Dalí e Hemingway. Acaba ainda se apaixonando por uma francesinha da época. Mas, para desgosto do rapaz, ela acha que a Paris dos anos 30 é decadente. Boa mesmo a cidade deveria ser no século 19...

Todo o sentimento por trás do filme é resumido por um dos personagens, metido a expert em todos os assuntos. Quando houve falar em "nostalgia", ele diz que isso não passa de uma aflição comum que pode nos atingir. É a ideia da "Idade de Ouro", que vai sempre nos parecer perfeita porque a conhecemos só de ouvir falar. E porque achamos que, naquela época, seja lá qual for a nossa escolhida, as pequenas picuinhas de nosso dia a dia não aconteciam.

Não deixa de ser curioso: um filme bancado por Hollywood falando que nós queremos viver um mundo que não é o nosso apenas como um meio de fuga da realidade. E essa, mais curiosamente ainda, não é a primeira vez que Woody Allen faz um filme sobre essa ideia: A Rosa Púrpura do Cairo, de 1985, é praticamente igual. A personagem consegue passar por um improvável portal para viver, ninguém explica como, dentro de um filme hollywoodiano. E, claro, lá dentro descobre que nem nos filmes a vida é um mar de rosas.

Fazer filmes em cima de ideias é um dos méritos de Woody Allen que talvez tenham passado mais despercebidos ao longo de sua carreira que, com Meia-Noite em Paris, chega a 40 títulos. Mas o fato é que por trás de muitas das histórias que seus filmes contam estão problemas para lá de importantes que cercam nossa vida.

Às vezes, isso está escondido atrás de uma história que parece simples, apenas divertida. É o caso de Tiros sobre a Broadway, de 1994. O filme fala sobre a produção de uma peça em Nova York. Logo no começo, alguns personagens, conversando numa mesa de bar, se perguntam: se houvesse um incêndio e você tivesse de escolher entre salvar uma pessoa ou a última edição de uma peça de Shakespeare, qual você escolheria?

Sem que isso seja lembrado mais tarde, toda a história do filme vai se desenrolar em cima dessa pergunta. A comédia tem como personagem central um escritor que quer levar seu texto para os palcos. Mas um gangster insiste que a peça só sai se a namorada dele for escalada como atriz. Claro que ela é péssima, e vai estragar tudo. Mas o jovem dramaturgo não tem coragem de colocar qualquer um (muito menos ele próprio) em risco por causa disso. A peça que se perca...

Mas um dos capangas do mafioso decide que a peça (que ele inclusive melhora com suas dicas) é boa demais para se perder. E resolve matar a namorada do gângster para salvar a peça. Exatamente a dúvida do intelectual no início do filme. O capanga está, assim, selando a sua própria morte. Mas ele decide se arriscar.

A discussão tem até um viés filosófico profundo. Quem está certo? Kant, que dizia que nós não podemos nunca fazer algo errado, como matar alguém? Ou os utilitaristas, que permitiriam que alguém sofresse (a atriz) em nome de uma felicidade coletiva maior (a existência da peça)?

Quando ainda era um comediante que contava piadas no palco, Woody Allen e sua esposa da época (ele já está na quinta...) contrataram um literato para estudar com ele livros importantes. Liam um clássico por semana e discutiam com o professor. Woody diria mais tarde que nunca foi um grande leitor, mas sempre se obrigou a conhecer de tudo.

E talvez nenhum livro tenha impressionado mais o roteirista do que Crime e Castigo, de Fiódor Dostoievsky. O romance trata de um personagem, Raskolnikov, que decide testar uma teoria. Existem pessoas mais importantes do que outras. Portanto, se ele é um ser "superior", ele pode matar uma pessoa "inferior" (a dona do apartamento em que ele mora) sem nenhum arrependimento. Ele comete o assassinato. Mas o castigo é que sua consciência nunca irá lhe deixar em paz.

O livro é uma versão literária da teoria de Nietzsche, que inventou o conceito de "super-homem". O filósofo alemão achava que o objetivo da humanidade era produzir grandes homens. E, em nome desses, os outros poderiam até sofrer males. Um Napoleão valeria milhares de franceses "comuns".

Woody gostou tanto da discussão dessa ideia que já fez três filmes sobre o assunto. O primeiro, em 1989, era Crimes e Pecados. Um médico mata a amante em nome de sua reputação. O segundo, Ponto Final, mostra um alpinista social matando a namorada, grávida, para que ele não estrague o casamento que lhe deixará rico. O terceiro, O Sonho de Cassandra, mostra dois irmãos que matam em troca de dinheiro e acabam pagando o preço com sua consciência.

É claro que em nenhum desses casos a intenção é de esgotar o tema em uma hora e meia de projeção – seria pretensão demais. Mas no mundo do cinema de entretenimento, em que a comédia muitas vezes é baseada em mera escatologia (puns, sexo e coisas do gênero Se Beber Não Case), Woody Allen aparece com uma vontade inusitada de discutir – em comédias ou dramas – problemas reais de gente real.

Não é que seus filmes não nos façam fugir um pouquinho da realidade. Mas, no fim, sempre sobra algo para a gente pensar quando encosta a cabeça no travesseiro. E, essa, claro, é a arte que vale a pena ver.

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