Jazz: o som e as imagens

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A capa, as fotos, o título e até a sinopse no verso da caixa dão ao DVD Vintage Collection 1958 – 1961 a cara de uma daquelas compilações mercenárias vendidas em bancas de revistas. Mas isso está a megômetros (para não dizer quilômetros) da verdade.

Lançado pela Warner dentro da série Jazz Masters, o vídeo tem apresentações raras de Miles Davis, John Coltrane, Billie Holiday, Thelonius Monk, Count Basie e, para muitos, este texto poderia terminar aqui.

Porém, existem mistérios em torno desse lançamento cujos desenlaces podem ser apenas sugeridos.

O primeiro deles é justamente o título.

Em 8 de dezembro de 1957, a CBS (Columbia Broadcasting System) exibiu o programa The Sound of Jazz. Este, por vários motivos, tornou-se um marco na história da televisão – o principal deles é a proeza de reunir no estúdio 54 da emissora, em Nova Iorque, os expoentes do jazz da Costa Leste.

Você mal tem tempo de assimilar as imagens porque são muitas as lendas que aparecem ali, vivas e em movimento. Veja "Fine and Mellow", uma das 14 faixas do DVD, cantada por Billie Holiday em uma sessão de improviso (ou jam session) com os sax-tenoristas Lester Young, Ben Webster e Coleman Hawkins – sem mencionar Gerry Mulligan (sax barítono) e Roy Eldridge (trompete).

The Sound of Jazz virou disco e, mais tarde, CD, em duas edições. A primeira saiu em 1989 e a mais recente é de 2000. O programa chegou a ser lançado em VHS (inédito no Brasil) e está na origem desse Vintage Collection, embora o DVD não deixe isso claro em momento algum.

A sinopse, atribuída ao pesquisador inglês Richard Cook (autor de um livro sobre a Blue Note Records), fala no "mais famoso programa de jazz que jamais foi ao ar" e não cita o nome da produção. Um erro e uma omissão grotescos – pois o programa foi ao ar e tem nome. Se o DVD fosse produzido por uma distribuidora de fundo de quintal, capaz de usar imagens sem pagar direitos autorais, essas falhas fariam sentido. Vindo da Warner, acaba sendo um mistério.

Outro dado inexplicável é a confusão de anos. O título de Vintage Collection cita os anos 1958 e 1961, embora a primeira veiculação tenha acontecido em 57 (a referência a 61 se deve ao show do pianista Ahmad Jamal).

Um pouco antes, em 59, a CBS realizou o especial de 30 minutos The Sound of Miles Davis, estrelado pelo trompetista, acompanhado de John Coltrane (sax), Wynton Kelly (piano), Paul Chambers (baixo) e Jimmy Cobb (bateria). Todos fizeram parte do quinteto lendário que dois anos depois participaria das sessões do disco Kind of Blue (1959).

A segunda parte da atração, igualmente histórica, coloca Miles diante da big band de Gil Evans para três composições de Miles Ahead (1957). Essas músicas soam tão perfeitas – tão naturais quanto árvores ou a grama – que é difícil acreditar que existem pessoas por trás delas, responsáveis por compô-las e capazes de tocá-las. Ver Miles com Evans e mais 18 músicos tocarem "The Duke" é uma experiência transformadora.

Vintage Collection é dividido em dois volumes, incluídos em um único disco com pouco mais de uma hora e meia de duração. A maioria das faixas não faz referência aos músicos nem às composições. Algumas, como as duas do Red Allen Octet, são introduzidas pelo próprio músico (no caso, o trompetista Henry Red Allen). Uma delas, "Wild Man Blues", ficou famosa por fazer parte do repertório da banda de Woody Allen e Eddy Davis, e por servir de nome ao documentário que mostra a turnê do cineasta-clarinetista.

The Sound of Miles Davis é a única atração do DVD com começo, meio e fim bem definidos, em parte graças ao apresentador Robert Herridge. É também o mais ousado em movimentos de câmera e na capacidade de retratar o caos de um estúdio de tevê, com aparatos enormes (escadas, holofotes e câmeras), a um palmo do nariz dos músicos.

Por ter colocado todos juntos em um mesmo ambiente, a CBS conseguiu reproduzir a atmosfera de um porão enfumaçado – não se vê um sem um cigarro aceso entre os dedos. Os músicos tocam suas participações e continuam por perto, aproveitando o momento (como Basie ao ouvir Monk), trocando olhares cúmplices (iguais aos de Billie Holiday) ou apenas sendo cool (no que Miles é imbatível). GGGGG