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Sting: sem dom para as rimas | Arquivo Gazeta do Povo
Sting: sem dom para as rimas| Foto: Arquivo Gazeta do Povo

"Jerusalém", livro do português Gonçalo M. Tavares, sagrou-se campeão do prêmio Portugal Telecom de 2007. O escritor ganhou R$ 100 mil e derrotou o favorito, "Macho não ganha flor", do autor curitibano Dalton Trevisan, que conquistou a segunda colocação e um prêmio de R$ 35 mil. Em terceiro lugar ficou Teixeira Coelho com "História natural da ditadura" , premiado com R$ 25 mil.

Foi a primeira vez que o prêmio, que tem cinco anos e é patrocinado pela principal empresa de telecomunicações de Portugal, incluiu autores de fora do Brasil, mas que tenham sido editados no país.

A maior surpresa da noite não foi a escolha dos premiados e sim uma mensagem enviada pelo recluso Dalton Trevisan. O autor, conhecido como vampiro de Curitiba, emocionou a platéia e deu uma lição de literatura, mesmo ausente.

"Só a obra interessa. O autor não vale o personagem. O conto é sempre melhor que o contista. Vampiro sim, de almas. Espião de corações solitários, escorpião de bote armado. Eis o contista. Só invente o vampiro que exista. Com sorte, você adivinha o que não sabe. Para escrever mil novos contos, a vida inteira é curta. Uma história nunca termina. Ela continua depois de você. Um escritor nunca se realiza. A obra é sempre inferior aos sonhos. Fazendo as contas percebe que negou o sonho, traiu a obra, cambiou a vida por nada. O melhor conto só se escreve com tua mão torta, teu avesso, teu coração danado. Todas as histórias, a mesma história, uma nova história. O conto não tem mais fim senão começo. Quem me dera o estilo do suicida em seu último bilhete."

Ausentes

Affonso Ávila, autor de "Cantigas do falso Alfonso el Sábio", Mia Couto, outro finalista com "O outro pé da sereia" e Marcos Siscar, que escreveu "O roubo do silêncio", também não compareceram à entrega do prêmio. Antes da revelação dos ganhadores, os seis finalistas presentes debateram e responderam perguntas do público.

O angolano Mia Couto mostrou em sua mensagem desaprovação aos prêmios.

"Todos sabemos que no mundo da escrita não há vencedores, nem lugar para a competição. Somos vencedores apenas na luta interior que faz com que do vazio do papel surja uma história, um poema, uma palavra grávida. Este momento de criação é o maior prêmio. Neste momento perdemos fronteira. Escrevemos com infinitas mãos. Estas mãos estão em um corpo que se chama terra, que se chama gente, que se chama sonho."

Tema

Em comum, as três obras vencedoras falam do horror da violência.

- 'Estar atento' e 'não te esqueças' são duas frases que repito sempre para mim mesmo. Acredito que todas as sociedades devem dizer isto a si próprias. Uma das coisas mais estúpidas é não dar valor à história. Ela ensina que grandes taxas de desemprego alimentam o surgimento de ditadores - explicou Tavares.

Teixeira Coelho conta que a motivação para escrever "História natural da ditadura" foi a enorme desmemória do Brasil e a ligeireza com que o tema é tratado.

- A todo instante nós corremos o risco de dormir numa democracia e acordar numa ditadura. Gostaria que meu livro fosse igualmente violento, mas sei que isto é impossível. A literatura está sempre atrás da realidade, ela não move o mundo da mesma maneira que a violência real é capaz - disse Teixeira Coelho.

Gonçalo Tavares defendeu a criação de editoras de língua portuguesa e aprovou a mudança do prêmio Portugal Telecom, que deixou de ser apenas voltado a escritores brasileiros.

- Há livros meus que são traduzidos e chegam antes na Índia do que no Brasil. O inverso também acontece. Obras brasileiras que são traduzidas antes de serem lançadas em Portugal. Há algo que precisa ser revisto. Gostaria muito que surgisse uma editora de língua portuguesa - defendeu o ganhador Gonçalo Tavares, que se identifica como um escritor de língua portuguesa.

Teixeira Coelho também elogiou a mudança da premiação.

- Propor um prêmio internacional e intercontinental é uma mudança na mentalidade provinciana brasileira.

Ao falar sobre suas influências, Tavares citou um ditado chinês que é quase uma maldição: "não te atrevas a escrever um livro antes de ler mil".

- Antes de ser escritor, sinto-me um leitor. Não consigo conceber um escritor que não seja leitor.

Com o prêmio, Tavares, que em breve lança em Portugal o livro "Aprender a rezar na era da tecnologia", diz que pretende comprar tempo.

- Tenho três filhos. Isso em iogurte e leite se vai. O principal que eu quero é comprar tempo. Não quero Mercedes, não quero ser rico. Quero ter tempo - disse o escritor que, mesmo consagrado, não vive só de literatura. Divide seu tempo entre aulas em universidades e sua obras.

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